quinta-feira, fevereiro 18, 2010

Avacalhanços à portuguesa



Nunca entendi a ânsia de protagonismo que consome alguns indivíduos, os chamados socialites, que saltam para a ribalta revisteira ou televisiva à custa da devassa da sua intimidade. Esta, como o próprio nome indica, é íntima e só preservando-a nos é permitido ter alguma margem de liberdade. Nesta vida repleta de câmaras indiscretas que nos vigiam, de computadores que cruzam informação para conhecer todos os detalhes da nossa existência, de olhos esbugalhados de vizinhos, colegas de trabalho ou meros transeuntes, apetece mesmo é colocar um saco preto na cabeça e tentar escapar pelos intervalos da chuva. Respeitemos porém os que gostam de exposição e os voyeurs que os alimentam e consomem o seu lixo.
Ora depois das Britney Spears e das Amy Whinehouse deste mundo (sendo que a Nina Hagen é que era, caramba!), do Rancho das Coelhinhas e de outros programas afins exibidos na Sic Radical, depois da nossa impagável telenovela nacional ambulante Elsa Raposo, do José Cid nu na capa da Nova Gente com um disco de ouro a tapar-lhe as partes pudendas (que medo!) ou da Pomba Gira a fazer streep-tease (que medo ao quadrado!), uma pessoa pensa estar absolutamente vacinada para tudo e mais as botas. Errado! E ainda bem, senão vinha o tédio e era uma grande maçada.

Clara Pinto Correia, no mês passado, conseguiu bater o seu próprio record de desarrazoados ao mostrar à nação, via Centro Cultural de Cascais (a senhora é chic, convém nunca esquecer), o seu rosto em êxtase orgásmico. Ao que parece, as dez fotografias desta mostra terão sido tiradas pelo seu actual parceiro e fizeram-se acompanhar de textos da Clara que escreve, ficando nós expectantes que a Clara que ensina a ultrapasse em competência linguística. “Ainda hoje, o tema perturba: o sexo é o poder, o sexo é o pau. Um pau a que as mulheres se submetem, na melhor das hipóteses por um amor amplo, etéreo, difuso. É assim que se quer que seja, mas o amor das mulheres é carnal e ardente. O amor das mulheres é o sexo no seu esplendor, tempestade tropical que altera a temperatura do mundo”, escreveu Clara Pinto Correia num dos vários textos que figuram na dita exposição. Eu lamento, mas não percebo o fio condutor, nem entendo a mensagem. Não sei por que razão as mulheres se "submetem ao pau", pois a submissão é mútua e prazenteira, caso contrário chama-se violação e não é boa ideia. Depois não compreendo o que é um amor "etéreo, difuso", pois o amor é algo bem consistente, ou então é outra coisa qualquer que não amor. Finalmente, parece que "o amor das mulheres é o sexo no seu esplendor", o que explica então a salganhada anterior. Bom, amor e sexo podem e devem caminhar lado a lado, mas que o amor não é sexo é algo que todos temos a certeza, em particular quando somos mulheres. Imagino o amor das prostitutas pelos seus clientes e vice-versa, o amor com que se dão quecas fortuitas, transgressoras, improváveis ou aventureiras. O mundo anda cheio de amor! Enfim, este texto murcha é qualquer pau, por mais rijo, prazenteiro e trabalhador que seja!
Porém, o que dizer então das fotos, que são, para ser benevolente e evitar grosserias: muito feias, mas mesmo muito feias. Expor os próprios orgasmos parece-me, à partida, uma ideia de jerico, mas quando se fica com cara de cavalo a arreganhar a dentuça, o mais sensato é destruir tais imagens. Acho mesmo que a cara que acima figura só serviria para ilustrar o horror que Clara poderia ter sentido ao olhar para a foto do Cid. Contudo, a prova de que não podemos partilhar todos das mesmas opiniões é que esta alma optimista preferiu antes revelá-las ao mundo, vá-se lá saber porquê. Talvez o narcisismo seja imenso, talvez o masoquismo seja uma forma de auto-excitação, ou talvez a senhora seja apenas sádica e se divirta a imaginar o terror de alguém que principia uma relação ("Que ele/a não tenha orgasmos à Pinto Correia, por favor!"). E como há vinte fotografias e dez ficaram no segredo dos deuses, Clara e o seu companheiro pretendem avançar com nova mostra em Espanha, estando apenas à espera (sentados?!) de patrocinadores. Bom, eu temo apenas que aqueles que ainda não experienciaram as delícias da carne apanhem um valente susto e morram virgens, pensando que, para se ficar tão desfigurado, só se pode estar em pavoroso sofrimento, ou então que, mesmo sendo bom, nada compensa sermos vistos a fazer tal figura.
Entretanto, questão prática que se impõe: se as fotos do delírio foram tiradas pelo parceiro da dita senhora, quem propiciou tais êxtases? Mais uma coisa que não entendo, mas que, já agora, também deveria constar nas fotos para maior regozijo das hostes.
Enfim, custa-me apenas o abandalho do Centro Cultural de Cascais, que entende por cultura mostras desta índole. Como se já não bastasse ter que aturar a profusão de reality-shows na televisão, estes são-nos agora impostos em espaços ditos culturais. Puritanismo? Nem pensar. O problema, a meu ver, é estético e não ético. É a ausência de qualidade, de beleza e de interesse, quer das fotos, quer da pseudo-literatura que as acompanha. É a estupidez de ter que levar com a bosta alheia só porque as pessoas são conhecidas e arranjam quem lhes patrocine os delírios. E é a violência de nos obrigarem a ver aquilo que desejaríamos nunca ter visto e a que viraríamos a cara, sem chatices nem rubores, se nos fosse impingido na rua ou num local público que não fosse um espaço cultural.
Recordo o programa exibido na RTP2, "Travessa do Cotovelo", que Clara desvirtuou, pois não só não esteve à altura do intelecto de Lúcia Lepecki, Fernando Mascarenhas ou Maria João Seixas, seus antecessores, como defraudou pelo seu desmesurado egocentrismo e pelo seu exibicionismo de gosto duvidoso, potenciado pelo whisky e pelas cigarradas. Recordo-o não por estas razões, e sim porque me lembro de ouvi-la dizer que "antigamente, era muito agradável ir ao Tamariz, no Estoril, pois a frequência era muito seleccionada, mas hoje em dia, com a actual democratização dos espaços, encontra-se gentinha em todo o lado e uma pessoa já não sabe onde pode usufruir de um ambiente decente para estar com os filhos". Eu sugiro que a senhora os leve ao Centro Cultural de Cascais!
E deste modo se vive na lusa terra por estes dias, com gentinha que se deleita a revelar excessivamente a face, quiçá para contrariar a gente graúda que a face oculta e assim trazer novo alento às gentes. 

PS- E aquilo que está no pescoço? Estrangulamento para o êxtase? Há êxtases que não lembram ao diabo!

2 comentários:

Jorge disse...

:D
Grande texto, amiga!
(Espero que os orgasmos calarapintocorreianos não tenham sido plagiados de uma qualquer revista americana...)

Bjocas

Kika disse...

Eh, eh! Em grande amigo! Eu acho mesmo que isto é plagiado de uma "pornochanchada" com sotaque castelhano e que a acção se desenrola no protésico, mas não posso exprimir estes pensamentos maléficos senão o Senhor lá de cima faz-me churrascar para a eternidade ;-)
Bjs