sexta-feira, outubro 30, 2009

Idiossincrasias



Vi estas imagens por aí num artigo sobre nomes infelizes para carros e, apesar de adorar automóveis, o meu cérebro divergiu logo para outras paragens. Pensei nas múltiplas mulheres que me têm atormentado há largo tempo a esta parte, uma das quais todos os que me conhecem ou que me lêem aqui facilmente imaginarão quem seja.
Ainda não fui porcinada desta feita, o que é um motivo bem válido para me sentir feliz, mas estou tão frustrada com a perspectiva de um fim-de-semana de trabalho árduo de correcção de testes (em pleno Halloween, que diabos!) e de preparação de aulas, que não resisti à vontade de descarregar a minha raiva de forma vernacular, ainda que contextualizada e subtil, como convém. Preferia, contudo, estar a partilhar algo mais criativo ou interessante ou inovador ou, pelo menos, minimamente inspirado, mas não há qualquer hipótese de fazê-lo por escassez temporal, portanto deixo só o desabafo que não consigo abafar.
Já agora, para quando um bólide The Vagina, La Vache, La Cabra ou afim? E ainda há quem duvide que o imaginário masculino está incontornavelmente povoado pelo universo feminino. Basta lembrar que até a garrafa da Coca-Cola foi inspirada nas curvas da Mae West.

quinta-feira, outubro 29, 2009

Porca miséria!


Eu bem resisti o mais que me foi possível à incontornável histeria da gripe A, mas hoje, ao fim da tarde, comecei a fantasmar com a coisa. Como qualquer comum mortal que aspira, senão à imortalidade, pelo menos a mais umas décadas neste mundo, confesso-me, digamos, que inquieta.
Saí do trabalho ao fim do dia, por sinal animada, e passei no cafezito da senhora búlgara em busca de um daqueles rectângulos de cartão que me atacam o orçamento e fazem ameaças que não cumprem, como causar-me impotência. Esta comentou o calor inusitado para a época e eu até pensei que, mau grado a nacionalidade, a conversa do tempo é mesmo um tapa-furos universal. Entretanto dei-me conta que vestia manga curta às sete desta tarde de final de Outubro e que o meu corpo estava húmido e peganhento, por isso retorqui-lhe que um dia destes ainda viramos um país tropical, passamos o ano inteiro na praia e enriquecemos com o turismo. Dito isto, fui atacar heroicamente o trânsito, o que em mim consiste em virar para qualquer lado sempre que me aparece uma fila de carros à frente, e cheguei finalmente à toca, já a fazer grandes planos para o serão.
E eis senão quando, assim de mansinho, chegou-me um arrepio e outro e outro, et voilà, arrepiei-me de medo. Contrariamente à maioria, a minha tendência perante quaisquer sintomas de doença é entrar em negação, portanto fechei as janelas e vesti uma sweatshirt. Achei que o frio se fosse, mas às tantas estava era a passear um olhar guloso pela lareira. Percebi então que o melhor era parar para reflectir sobre a coisa. Hum, ora bem, corpo molezito e dorido, 37.3 de temperatura segundo um aparelhómetro que nunca apita mais do que 36.5 quando tudo está em ordem, e uma sensação algodoada de bom vinho tinto. Pior dos sintomas, fora-se a vontade de jantar, quando há uma hora atrás me imaginava num bom restaurante em boa companhia. Menos mal que o cérebro continuava a funcionar, recordando-me então que duas colegas minhas entraram hoje oficialmente de quarentena e que mais de duas dezenas de alunos já estão de molho. Ora bolas, isto não é animador.
Passo seguinte, Google, pela primeirinha vez, juro! E aqui é que a coisa descamba mesmo. Há milhares de entradas sobre a gripe A, vista de todos os prismas possíveis e imaginários e por todo o tipo de entidades e pessoas, há mesmo coisas francamente assustadoras mas, quanto a procedimentos e medicamentos, muito pouco. Eficácia assegurada então, zero por cento. Hora de optar pelo tradicional, não o "avinha-te, abifa-te e abafa-te", mas o sumo de laranja natural, a sopinha, o chá quente e o antigripe. A ver vamos.
Pois bem, não é a gripe que me assusta, já que quase todos os anos apanho uma valente apesar de ser saudável. Ou é porque saio à noite em corpinho bem feito, transpiro na pista e venho secar na rua, ou é porque estou rodeada por dezenas de alunos que me espirram e me tossem os bicharocos, ou é porque não resisto a um belo banho de mar em Fevereiro, enfim, nunca me safo. Pelo menos deixo de fumar durante uns dias, com os brônquios a atacar-me a consciência peitoral e a chamar-me nomes feios, e fico a ranhosar preguiçosamente na chaise-longue com filmes e livros. Se bem que no ano passado foi diferente e até dei aulas com 39 de febre, pois tenho uma invulgar resistência à mesma, só para provar à senhora Lurdes que sou das que verga mas não quebra. É estúpido, mas deu-me um gozo bestial e safei-me à pneumonia, rija que sou mesmo maleitosa. Claro que semeei o pânico à minha volta, senti o que é ser leproso ou algo similar e constatei que o amor à pele é superior ao sentido de humor na minha classe profissional.
Mas agora é diferente, não há como contornar. Os media conseguiram agigantar a coisa de tal maneira que assusta. São as comparações com a gripe espanhola de 1918, as incertezas quanto às vacinas, o exagero do contágio e da propagação do vírus, a ausência de cura eficaz, o amontoado de mortos nos quatro cantos do globo, as teorias da conspiração mirabolantes de gente que quer dominar o mundo adoecendo-nos a todos, enfim, é quase um filme dantesco. E são, acima de tudo pois eu cá sou pragmática, os testemunhos de quem espera horas no hospital e sai de de lá com receitinha de Benuron e ordens para estar sete dias em isolamento. Se tiver direito a bónus adicional, até traz à boleia mais uns quantos vírus que por lá saltitam.
Safa! Palavra de honra que já me sinto quase em forma outra vez. Vou mas é tomar um banho bem quente, ponho mais uma mantita na cama para suar a maleita, durmo as saudáveis oito horas da praxe que nem uma pedra, amanheço em cima da BTT a respirar o ar das árvores e de certeza que desta ainda consigo passar uma rasteira ao H1N1. Em último recurso, há sempre o escafandro. Os estilistas de vanguarda iam delirar, aposto.


(imagem de Alessandro Pautasso)

segunda-feira, outubro 19, 2009

Fotos de Sintra e de Lisboa


Palácio da Vila

Palácio da Pena


Quinta da Regaleira

estrada típica de Sintra

Vista parcial de Lisboa

Ponte sobre o Tejo

Cristo Rei

Vista parcial da Baixa

ruínas do Convento do Carmo


gare do Rossio

Terreiro do Paço /Arco do Triunfo de Lisboa


Palácio de Belém, residência oficial do Presidente da República


Praça do Império, Mosteiro dos Jerónimos

Torre de Belém

Docas, zona de diversão




Ponte Vasco da Gama



Parque das Nações


Oceanário



imagens do Parque das Nações

Isto é apenas uma ínfima parte daquilo que poderia ter sido mostrado pela senhora de que atrás se fala, a tal que só queria brincar um pouco. Pena não ter querido também partilhar este espólio com os seus compatriotas, pois tê-los-ia poupado ao triste espectáculo da sua triste figura e enriquecido a sua cultura geral. Claro que, se mostrasse as imagens dos locais que ridicularizava, o seu discurso teria sido ainda mais disparatado, visto que estas a desmentiriam.
Para quem não conheça Sintra ou Lisboa ou os Jerónimos, aqui fica um pouco da vilazinha, do mosteirito que mereceu a cuspidelita e mais umas coisitas que provam como realmente somos esquisitos. E tão pobrezinhos, que nem temos um técnico informático num hotel de cinco estrelas. Assim como também não temos veterinários para cães de estimação, imagine-se! Mas temos, sem dúvida, uma bela capital com excelentes hotéis.


(imagens retiradas aleatoriamente da Net)


domingo, outubro 18, 2009

Saia Justa vs Vista Curta


Os Pastéis do Nosso Orgulho ou O Último Reduto do Achincalho

Volvidos dois anos, os portugueses finalmente descobriram que os brasileiros, personificados numa conhecida actriz das telenovelas que muitos deles vorazmente consomem e com as quais se anestesiam e estupidificam o cérebro, gostam de troçar deles. O milagre operou-se graças à divulgação do, agora famoso, episódio do programa Saia Justa. E a casa veio abaixo! Esfacelar o orgulho luso, principalmente quando se é tratado como irmão, cai mal. Se fossem os franceses, reconhecidos chauvinistas e pouco amantes das lusas gentes, a coisa passaria de pantufas. Se fossem os ingleses, até rejubilávamos. Afinal têm que se vingar das sucessivas tareias futebolísticas que lhes vimos dando, de não se terem apropriado do vinho do Porto ou de não conseguirem arrebanhar o Fernando Pessoa para o seu espólio de escritores. Se fossem os espanhóis, a nossa ancestral rivalidade já nos imunizou destas habituais picardias mútuas. Além de que dificilmente nos batem na má língua. Agora uma série de actrizes brasileiras num conhecido programa de entretenimento foi uma forte bordoada nas gentes. E então? Satirizar o próximo faz parte do imaginário colectivo, principalmente em se tratando do nosso colonizador. Além de que nós temos aqui muito por onde ceifar, se for essa a intenção. Finalmente, a capacidade de encaixe é sinónimo de superioridade, pelo que as virulentas reacções ocorridas nos últimos dias só inferiorizam aqueles que as protagonizam.
Mas percebe-se a histeria colectiva. Cheira a coisa de mal amados toda esta fita com honras de noticiário das oito, daqueles que se entregam ingenuamente e não aguentam uma traição. De facto, os artistas brasileiros são aqui tratados a Pão de Ló. Esta senhora, em particular, sempre foi muito acarinhada pela opinião pública, arranjou trabalho em Portugal quando andou na mó de baixo e até por cá lançou há tempos um livro com honras de escritora. Vamos convir que esta sua atitude é do tipo "cuspir na sopa e bater na avó", com a diferença de que ela cospe na fonte e bate em vários avós.

Ainda assim, não me sinto solidária com os meus compatriotas enfurecidos. Acredito até que o pedido de desculpa da actriz seja sincero e que a sua ideia tenha sido, de facto, brincar com as fraquezas dos tugas. O problema não é esse, visto que tal é legítimo e até pode ser divertido. O genuíno mal de tudo isto é que a senhora em questão não tem nem inteligência, nem subtileza de espírito para ironizar, nem cultura, nem piada absolutamente nenhuma, que afinal parece que era só o que ela queria ter, tendo em conta a sua justificação. Por isso, vamos a factos. Sintra não é uma vilazinha, é sim, segundo a UNESCO, Património Mundial desde 1995, visto ser um local paradisíaco e recheado de monumentos. Tanto espólio natural e cultural para mostrar ao mundo e somos brindados com um três ao contrário. Incrível! Até porque cada um em sua casa é rei e se quer espetar a placa invertida na porta, está no seu direito. Desde que as cartas não se comecem a tresmalhar por ingenuidade do carteiro (aquele que toca sempre duas vezes e não três) menos mal. Três são afinal, com muita sorte, os neurónios que povoam o cérebro da dita cuja senhora. Segue-se a história dos pastéis de Belém, deliciosos por sinal e que escaparam por milagre ao serrote, sendo que o local em que se vendem é particularmente emblemático de uma tradição de cafés que se perderam no tempo deixando saudade, visto que data de 1837, mas o espaço não é mostrado, mais uma vez. Não acredito sequer que a pobre criatura tenha enfardado quatro dos ditos, pois estes são altamente calóricos e ela só quer ter pele e ossos. Mas a ser verdade, e principalmente se estavam quentinhos, aposto que a caganeira foi valente! Depois temos a confusão do rio Tejo com o mar e a ilação de que estamos num país onde os rios também vão dar ao mar. Quem diria! Já agora, também estamos num local em que os comuns mortais não confundem rios com mar quando não são ceguinhos, mas enfim, como a senhora diz, nós somos muito esquisitos, pois então! Entretanto, em pleno Mosteiro dos Jerónimos, obra de arte manuelina de tempos de maior desafogo graças aos Descobrimentos, a criatura decide cuspir na fonte. Bom, eu sou loura, não percebi. Tem graça cuspir? As pessoas riem-se à brava quando alguém cospe, ainda por cima de forma tão desmilinguida e foleira? Bom, se queria cuspir em nós de forma ofensiva, então devia tê-lo feito à portuguesa e mandado uma valente escarreta verde e amarela com todo o vigor, em vez de arrepanhar a cara plastificada e verter a custo um liquidozito insípido. Já o Salazar esteve quarenta e um anos no poder, mas enfim, o que são umas dezenas de anos a menos, pois então. Deve ser o mesmo raciocínio matemático utilizado pela senhora quando lhe perguntam a idade. Quanto à parte do técnico informático, já nem me pronuncio. A única coisa que me ocorreria, se fosse uma digna brasileira que trabalha diariamente no duro, era questionar-me quanto à legitimidade de tal personagem merecer estar num hotel de cinco estrelas por fazer figuras de ursa e dizer patacoadas na televisão. Perante tal festival de mediocridade, ocorre-me mesmo é perguntar: "Andas a dar em que drogas minha?!" Chiça! É certo que também não faltam por cá tontos a ganhar dinheiro por fazer similares figuras de urso em programas de entretenimento, mas ao menos não resolvem canalizar a sua acefalia para o ataque a outros povos, em particular aqueles que albergam actualmente uns milhares de conterrâneos seus à procura de melhor sorte. Imagine-se que os portugueses se enfezavam de grande com os brasileiros e decidiam retaliar nos emigrantes? Que lindo serviço! Mas é claro que tais pensamentos não ocorreram a esta fantástica brincalhona. Certamente nem brasileiros viu em Lisboa, já que parece não ver a ponta dum corno à frente do nariz. Gostei muito foi do seu pedido de desculpas, naquela voz altamente lamechas e deslavada de menina fora de prazo, que é a sua: "Foi uma brincadeira caseira feita com um amigo. A gente brinca com a falta de formação académica do nosso Presidente, a gente brinca com a própria tragédia. Eu brinco com a minha própria mãe e com a minha filha. A gente brinca com aquilo pelo qual a gente tem afecto."
Comentários que se impõem: o verbo brincar tem as costas largas, já que pelos vistos inclui troçar, inferiorizar, achincalhar; brincadeiras caseiras não saltam para a televisão nacional via GNT; o nosso Primeiro-Ministro também tem uma formação académica altamente brincável; brincar com a própria tragédia é o que nós fazemos todos os dias; apelar à família é o recurso pobre e derradeiro de quem não tem quaisquer argumentos válidos para apresentar; usar a sintaxe com propriedade é o que compete a quem se dirige a mais de dez milhões de indivíduos que partilham a mesma língua, sendo que "aquilo pelo qual a gente tem afecto" é um violento pontapé na gramática, em particular para quem publica livros. Mas também temos por cá desses fenómenos em abundância, pois as prateleiras das livrarias estão entulhadas com o lixo de indivíduos que escrevem e que, pasme-se, até vendem, mesmo não sendo escritores. O truque é ser conhecido e escrever na primeira pessoa, já que poucos resistem a uma espreitadela por baixo das saias alheias.
Em suma, constata-se que é mais o que nos une do que o que nos separa, como tal, para quê tanta estupidez gratuita? Imagino só como se sente agora a senhora depois de ter andado enrolada com um dos tais portugueses esquisitos no qual havia cuspido uns tempos antes. Mais curiosidade tenho ainda em saber como se sentirá o dito senhor, um poço de impáfia, sabedoria e altivez, de língua bem viperina, ao perceber que toda a gente teve oportunidade de constatar em quão turvas e acéfalas águas se banha. Aposto que o seu orgulho também está tão esfacelado que até sangra. Só me apraz mesmo dizer: que rica telenovela versão reality-show!

Ainda assim, creio que as mais importantes ilações a tirar são as seguintes: uma andorinha não faz a Primavera e as pessoas não devem misturar alhos com bugalhos. Máximas populares à parte, a opinião tonta de uma galinácea e do seu séquito de galinholas vale o que vale, pois o Brasil esteve e está povoado de múltiplos indivíduos que merecem em absoluto a nossa admiração, pelas mais variadas razões. Além de que as relações entre dois povos irmãos não devem ser abaladas por episódios promíscuos e insignificantes desta índole. E, já agora, seria profícuo que os portugueses se preocupassem com o real e perdessem a mania de se masturbar psicologicamente com romances de cordel.

(imagem dos Pastéis de Belém)

segunda-feira, outubro 12, 2009

Rescaldo eleitoral

Admito, com bastante pesar, que cada vez menos me regozijo com quaisquer vitórias ou derrotas de partidos ou de líderes políticos, visto que o ancestral e famigerado pessimismo português acabou por também me contagiar.
Ao fim de mais de três décadas em que dois partidos foram disputando e conquistando a liderança sem que nada de verdadeiramente positivo, inovador ou lucrativo se verificasse, desejava agora poder vislumbrar alternativas consentâneas com as nossas reais necessidades
e actuações credíveis e eficazes. Acima de tudo, gostava de voltar a acreditar na integridade e competência de um qualquer líder político, o que nunca me aconteceu na idade adulta.
Tinha duas tranças gordas e sardas no nariz quando os meus pais choraram a morte de Francisco Sá Carneiro, que mitifiquei como o D. Sebastião da era moderna. De então para cá, quanto mais penetro nos meandros da política nacional, mais defraudada me sinto. Ocorre-me mesmo perguntar: para quando a importação de políticos à altura do buraco em que não paramos de nos afundar? Entretanto, uma das coisas que mais me chocou foi ter finalmente constatado que a política e o futebol têm muito mais em comum do que seria de esperar. Senão vejamos: os políticos mudam de partido ou transformam-se pomposamente em independentes consoante os seus interesses e os benefícios que tal lhes acarreta; as multidões entram em delírio pelas vitórias dos seus partidos ou dos seus líderes e andam à batatada quando a coisa dá para o torto; os políticos prostituem-se durante as campanhas para arrebanhar as massas e nem a gripe A os demove de beijar e abraçar as turbas delirantes (imagino o quanto gastaram este ano nos mais variados e potentes desinfectantes!); os humoristas tiram partido do circo que se instala e copiam modelos televisivos já batidos noutros países para se auto-promoverem e facturarem dinherinho e audiências, contando com a adesão dos palhacinhos que encontram margem de manobra para a campanha gratuita junto dos que já não movem o traseiro para sair à rua em explosões de histeria colectiva; o dinheiro corre a rodos e escoa-se em ralos invisíveis e duvidosos, esquecendo aqueles que apelam à nossa contenção o que estas quantias poderiam fazer em prol da tão famigerada e aludida crise (campanhas e idas às urnas a duplicar num tão curto espaço de tempo é surreal!); e quando chega a hora da verdade, a única coisa que vemos são indivíduos a congratular-se da vitória, a inventar a vitória, a obviar a derrota com argumentos falaciosos, a antever as próximas vitórias. Irra! Mas a vitória de quem e do quê, num país que não pára de se atolar? (Lembra aquela música "Ai Portugal está podre de rico/ Ai compra tudo até sarro de penico") O meu clube é melhor do que o teu? O meu dirigente ganhou e o teu perdeu? Ora bolas pró pagode! O circo romano era mais genuíno e os déspotas sequiosos de poder não vestiam a pele de cordeiros.
Não vislumbro, infelizmente, nenhuma luz ao fundo do túnel. Se não respeitasse aquilo que acredito ser um direito e um dever cívico de todos nós, não daria dois passos para introduzir a medo o meu boletim de voto na urna. E assisto à noite eleitoral para me irritar de grande e ficar ainda mais triste e desalentada e com menos vontade de arregaçar as mangas e dar o meu contributo para o benefício colectivo comparecendo no meu local de trabalho.
Houve apenas alguns momentos fugazes a contrariar o meu desânimo na noite passada: a derrota de Fátima Plastificada no Brasil Graças ao Saco Azul Felgueiras e de Paulo Casa Pia Esquecida Pedófilo Pedroso, este último apoiado por Jorge Sampaio e atacado por uns senhores com muito sentido de humor que preconizavam a sua castração química; a derrota de Pedro Sanguessuga Lopes, também conhecido a partir de ontem por Vaivém Espacial graças às suas aflitas peregrinações de cá para lá e de lá para cá enquanto prometia ir a Fátima de joelhos se o milagre das freguesias por apurar lhe valesse; a derrota de Paulo Catherine Deneuve Portas, o senhor que insuflou nas legislativas e que, apesar de ter feito alianças com Deus e com o Diabo, acabou por só conquistar uma câmara, o que ainda assim não lhe retirou fôlego para se vangloriar do seu partido ter subido um por cento nestas autárquicas! Em suma, consolei-me com o mal, pois não vislumbrei nada de bom.

Não resistindo a puxar a brasa à minha sardinha, houve apenas um indivíduo cujo discurso na noite das legislativas me trouxe um sorriso rasgado aos lábios, apesar de não estar aqui a fazer a sua apologia e de acreditar que, enquanto mestre da mesma arte, este não poderia ficar indiferente ao sucedido. Foi aquele que disse: "Esta noite, Maria de Lurdes Rodrigues perdeu. Dou os parabéns aos professores, que ganharam em nome da Educação." Que as palavras de Francisco Louçã sejam proféticas é o que eu desejo, pois com a Sra. Sinistra no comando será difícil continuar a ter alento. E desejo igualmente que o Sr. José Pinóquio Sócrates mantenha a sua palavra e cumpra a promessa, que hoje fez aos portugueses, de que a sua actuação política será mais dialogante. Repare-se que apenas Paulo Portas, o mago das alianças, concedeu a extraordinária vitória nas autárquicas aos socialistas.
Parafraseando "o sexo e a Cidália", só me ocorre este último pensamento: Oh God, make me good, but not yet!

(imagem de Alessandro Pautasso)