quinta-feira, janeiro 22, 2009

David Cerny e a Entropa

David Cerny nasceu a 15 de Dezembro de 1967 em Praga, na República Checa. Após tanta polémica, sabe bem dar um rosto ao nome e constatar que a sua indumentária não defrauda as nossas melhores expectativas.
Como fiquei curiosa em relação à personagem, achei interessante averiguar. Fiz então uma visita ao seu site e verifiquei que já acumula um espólio considerável, entre esculturas, instalações e projectos. Há uns trabalhos mais inspirados do que outros, mas são quase todos bastante peculiares.
Fiquei particularmente fascinada com estas cabeças de 88/89 realizadas a partir de um retrato de Pavel Marek.












Vamos então ao tema quente, começando por olhar para o nosso umbiguito.

Eis os nossos bifes, que por sinal até já foram bem mais suculentos, com a forma das antigas colónias, uma das peças da controversa e recente instalação Entropa - meio Europa, meio entropia (termo da termodinâmica que faz um conjunto adquirir as qualidades das suas partes). A avaliar pela representação das partes em questão, o todo pode bem ser um susto!
Entretanto cogito se seremos carne para canhão ou um país de bovinos, dada a nossa proverbial passividade.


Esta é a Alemanha, com as suas auto-estradas em forma de suástica. Há fantasmas que, desejo, jamais se esfumarão, estimulando a persistência da memória colectiva e o medo do replay.



Aqui está a peça no seu todo. Entropa, "um puzzle com as melhores qualidades possíveis" de cada país, conforme a descreveu David Cerny no catálogo da exposição, em Bruxelas. Esta peça, como é já do conhecimento geral, foi encomendada pelo Governo Checo, agora que o país detém a presidência do Conselho da União Europeia, estando Cerny encarregue de dinamizar uma exposição colectiva de vinte e sete artistas dos diferentes países europeus.
A parte mais gira disto tudo é mesmo olhar para os bonequinhos, uns mais inspirados do que outros. A Áustria é um prado repleto de centrais nucleares. A Bélgica, uma caixa de chocolates, quiçá para atrair criancinhas. A Bulgária, uma casa de banho com sanita à turca. É bem provável que os búlgaros tenham ficado na merda. A Espanha é um estaleiro de betão, provavelmente devido ao seu notório florescimento económico após a entrada na UE. A Dinamarca são peças de Lego. Já a Estónia são dois canivetes suíços com a foice e o martelo. Percebi que há muito não via este símbolo, outrora tão recorrente. A Finlândia é um estrado de sauna. Que aprazível! E a França, um cartaz que apregoa "Estamos em greve!" Professores portugueses, façam um estágio em terras gaulesas e acabem de vez com esta fantochada! A Grécia é um incêndio. Resta saber o que renascerá das cinzas da nossa mais profícua herança cultural. A Hungria são melancias atómicas (que medo!) e a Irlanda uma gaita de foles. Aqui seria mais pertinente pôr os católicos à bulha com os protestantes. A Itália é um campo de futebol em que os jogadores se masturbam com bolas na virilha. Bom, o futebol é a maior prática actual de masturbação colectiva, acho que não foi bem apanhado. A Letónia é um país plano a murmurar "Se tivéssemos montanhas..." Já a Lituânia defende as suas fronteiras russas mijando-lhes. Que chuva de ouro! A propósito do dito, o Luxemburgo é um pedaço de ouro falso que se prostitui. Entretanto a Holanda foi alagada. Cá está, eu optaria pela pedrada colectiva. A Polónia são montes hasteando a bandeira gay, o que não terá excitado muito os seus católicos habitantes. E por aí fora...
Ora, e de acordo com o que se lê no site de David Cerny, a intenção original era mesmo solicitar a participação efectiva de vinte e sete artistas europeus e engendrar um projecto colectivo. Contudo, devido a constrangimentos monetários e temporais, optou-se pela "criação de artistas fictícios que representam os diferentes estereótipos nacionais e culturais desta Europa unida". Não percebi onde estão os tais artistas fictícios. Na peça? Ou na cabeça de David Cerny, Kristof Kintera e Tomas Pospiszyl, os quais, com a ajuda de uma vasta equipa de colegas da República Checa e do exterior, engendraram toda esta marosca? Eles apresentam então as suas desculpas a ministros e deputados por não lhes terem facultado atempadamente essa informação, afirmando que não pretendiam que estes arcassem com a responsabilidade de toda esta sátira politicamente incorrecta. Mais acrescentam que sabiam que toda a verdade acabaria por vir à superfície (o que nem sempre é evidente nos tempos que correm) e que pretendiam mesmo era descobrir se a Europa possui afinal a capacidade de se rir de si própria. Os meninos traquinas acreditam que "Bruxelas é capaz de uma irónica auto-reflexão" e crêem "no sentido de humor das nações europeias e dos seus representantes". Por certo não conhecem José Sócrates, caso contrário não acreditariam nem nisso, nem em nada!
Entretanto ocorre-me questionar se esta instalação será motivo para tanta polémica ou se as manobras de diversão para desviar as atenções dos problemas reais não continuam a ser um dos melhores recursos político-sociais. Afinal, que a UE não é um mar de rosas estamos carecas de saber. Que a arte é, na sua essência, provocatória e irónica, é um dado adquirido. Que todos os artistas almejam o reconhecimento universal, está implícito no trabalho que desenvolvem. Que a República Checa anda apagadita, já tínhamos reparado. E que Cerny era um ilustre desconhecido que saltou para a ribalta, é mais do que evidente. Bingo! E fim de história.
Para terminar a divagação Cernyana, houve mais dois trabalhos que considerei curiosos e cujas imagens se encontram aqui, no final.
O primeiro é um projecto que nunca se chegou a concretizar, segundo o autor por razões técnicas, e que data de 1996. Destinava-se ao World Trade Center e consistia em colocar o porta-aviões Intrepid, na altura ancorado no rio Hudson, sobre os tectos das torres gémeas de modo a formar a letra grega TT (pi). Dado o trágico incidente que ocorreu em 2001, é caso para pensar se Cerny não será um visionário, pois os aviões teriam aterrado em vez de embater nas torres. Just kiding!
O segundo é uma instalação permanente que se encontra na Galeria Futura, em Praga. Foi realizada em 2003 e mede cinco metros e vinte. Os arrojados trepadores enfiam a cabeça nos respectivos traseiros e visionam um filme em que um velhote enfia comida na boca de uma velhinha ao som de "We Are The Champions" dos Queen. Não sei o que é que o Freddy Mercury gostaria de enfiar no Cerny (talvez umas chapadas, talvez outras coisas, talvez nada) mas, pela parte que me toca, gostei de introduzir mais informação nos neurónios. E simpatizei com o indivíduo.


quarta-feira, janeiro 21, 2009

Ilusão de óptica






Ainda na esteira de Magritte e das imagens que brincam com o real ou que o desconstroem, ficam aqui alguns exemplos bem conseguidos da técnica do trompe l'oeil.
Em criança tive um caleidoscópio e um View Master, dois brinquedos que me fascinavam pela possibilidade de me auto-transportar visualmente para uma outra dimensão, colorida e dinâmica, apenas através do olhar. Mais tarde, na adolescência, descobri o mágico e vasto universo da pintura graças a uma enciclopédia de História da Arte que havia lá em casa e aos livros da Taschen. E percebi que havia quem tivesse os meus brinquedos na cabeça e os materializasse em telas fantásticas. E compreendi ainda que o mundo está cheio de beleza: a real, como as paisagens naturais ou as obras do Homem com as quais podemos interagir, e aquela que só nos limitamos a visualizar mas que, ainda assim, nos permite mergulhar em fantásticos universos paralelos. Quando não estamos doentes dos olhos...

segunda-feira, janeiro 12, 2009

(e)fabula(ção)


Cascos que ecoam na floresta, em noite de lua cheia, convidando a fugas de verde. Silhuetas naturais que se recortam no horizonte e inusitadamente se sobrepõem, pintando quadros improváveis que aguçam o olhar. Trilhos virgens que se inventam no prazer deambulante da descoberta, ao som de galhos que estalam e pios de corujas noctívagas. Brisa agreste que impregna a roupa de cheiro a limpo e a frescura, gelando as bochechas e a ponta do nariz. Agulhinhas finas de ar puro que se espetam nos pulmões e que revigoram o sangue. Universo onírico, de tão belo e real, despertando todos os sentidos com a força da seiva que corre nas árvores. E uma mão quente que outra aperta docemente, caminho agora iluminado com o brilho líquido da ternura que dos olhos se derrama.
Domingo de paz e deambulação em Sintra, privilégio dos deuses, encantamento aventuroso. Remate feliz do dia de brilho e luz azul, na escarpada Adraga de ondas bravias, com vinho tinto a enrubescer os lábios.


(quadro de René Magritte, Le Blanc Seign, 1965)

sábado, janeiro 10, 2009

Cadavre exquis Pessoano


Pensar é estar doente dos olhos. (Contudo) Gosto de dizer. Direi melhor: gosto de palavrar. (Não sou um) Cadáver adiado que procria. Sou uma vida baloiçada na consciência de existir. Para ser grande, Sê inteiro, nada teu exagera ou exclui. Quantos Césares fui! Ah, quem escreverá a história do que poderia ter sido?


quarta-feira, janeiro 07, 2009

Juan Muñoz


Dois sentados na parede, 2001


Juan Muñoz nasceu em 17 de Junho de 1953 em Madrid e morreu inesperadamente em Agosto de 2001, vítima de ataque cardíaco, com 48 anos de idade.
Frequentou o Curso de Arquitectura em Madrid e, posteriormente, estudou em locais como a Central School of Art em Londres e o Pratt Graphic Centre de Nova Iorque.
No início da década de 70 viajou pela Europa e filmou em Madrid uma curta metragem sobre os monumentos históricos da cidade.
Em suma, pertenceu a uma geração de artistas europeus que muito contribuiu para a expansão da linguagem escultórica nas últimas décadas. Os seus trabalhos integraram inúmeras exposições individuais e colectivas em locais tão conceituados como a Tate Modern Gallery, em Londres, ou o Museu Guggenheim, em Bilbao.
Neste momento, inúmeras esculturas, desenhos e instalações integram a exposição "Juan Muñoz, Uma Retrospectiva" que pode ser visionada no Museu de Serralves, no Porto. Juan expôs várias vezes em Portugal, cruzou-se com diversos artistas portugueses e ofereceu à cidade do Porto as esculturas que se encontram hoje no Jardim da Cordoaria, no seguimento das comemorações da Porto 2001.
Muñoz ganhou o mais conceituado prémio artístico espanhol, o Prémio Nacional de Artes Plásticas, em 2000.
Foi muito bom passar um fim de tarde em Serralves na companhia deste universo onírico e inusitado. Creio que todos os que puderem ir até lá agradecerão a experiência. Só lamento a dificuldade que tive em encontrar as imagens que aqui partilho, bem como a ausência de vários títulos por incúria das fontes a que recorri. No próprio museu estavam esgotados os desdobráveis desta exposição. Porém, quem lhe tomar o gosto, pode pesquisar por sua própria conta e risco.


Nariz partido II




Anão com uma caixa

Figura à escuta, 1991


O ventríloquo a olhar para o duplo interior, 1988–2000


Conversação

Em direcção à sombra

Sara com mesa de bilhar, 1996

Figura presa por um pé