David Cerny nasceu a 15 de Dezembro de 1967 em Praga, na República Checa. Após tanta polémica, sabe bem dar um rosto ao nome e constatar que a sua indumentária não defrauda as nossas melhores expectativas.
Como fiquei curiosa em relação à personagem, achei interessante averiguar. Fiz então uma visita ao seu site e verifiquei que já acumula um espólio considerável, entre esculturas, instalações e projectos. Há uns trabalhos mais inspirados do que outros, mas são quase todos bastante peculiares.
Fiquei particularmente fascinada com estas cabeças de 88/89 realizadas a partir de um retrato de Pavel Marek.
Vamos então ao tema quente, começando por olhar para o nosso umbiguito.
Eis os nossos bifes, que por sinal até já foram bem mais suculentos, com a forma das antigas colónias, uma das peças da controversa e recente instalação Entropa - meio Europa, meio entropia (termo da termodinâmica que faz um conjunto adquirir as qualidades das suas partes). A avaliar pela representação das partes em questão, o todo pode bem ser um susto!
Entretanto cogito se seremos carne para canhão ou um país de bovinos, dada a nossa proverbial passividade.
Esta é a Alemanha, com as suas auto-estradas em forma de suástica. Há fantasmas que, desejo, jamais se esfumarão, estimulando a persistência da memória colectiva e o medo do replay.
Aqui está a peça no seu todo. Entropa, "um puzzle com as melhores qualidades possíveis" de cada país, conforme a descreveu David Cerny no catálogo da exposição, em Bruxelas. Esta peça, como é já do conhecimento geral, foi encomendada pelo Governo Checo, agora que o país detém a presidência do Conselho da União Europeia, estando Cerny encarregue de dinamizar uma exposição colectiva de vinte e sete artistas dos diferentes países europeus.
A parte mais gira disto tudo é mesmo olhar para os bonequinhos, uns mais inspirados do que outros. A Áustria é um prado repleto de centrais nucleares. A Bélgica, uma caixa de chocolates, quiçá para atrair criancinhas. A Bulgária, uma casa de banho com sanita à turca. É bem provável que os búlgaros tenham ficado na merda. A Espanha é um estaleiro de betão, provavelmente devido ao seu notório florescimento económico após a entrada na UE. A Dinamarca são peças de Lego. Já a Estónia são dois canivetes suíços com a foice e o martelo. Percebi que há muito não via este símbolo, outrora tão recorrente. A Finlândia é um estrado de sauna. Que aprazível! E a França, um cartaz que apregoa "Estamos em greve!" Professores portugueses, façam um estágio em terras gaulesas e acabem de vez com esta fantochada! A Grécia é um incêndio. Resta saber o que renascerá das cinzas da nossa mais profícua herança cultural. A Hungria são melancias atómicas (que medo!) e a Irlanda uma gaita de foles. Aqui seria mais pertinente pôr os católicos à bulha com os protestantes. A Itália é um campo de futebol em que os jogadores se masturbam com bolas na virilha. Bom, o futebol é a maior prática actual de masturbação colectiva, acho que não foi bem apanhado. A Letónia é um país plano a murmurar "Se tivéssemos montanhas..." Já a Lituânia defende as suas fronteiras russas mijando-lhes. Que chuva de ouro! A propósito do dito, o Luxemburgo é um pedaço de ouro falso que se prostitui. Entretanto a Holanda foi alagada. Cá está, eu optaria pela pedrada colectiva. A Polónia são montes hasteando a bandeira gay, o que não terá excitado muito os seus católicos habitantes. E por aí fora...
Ora, e de acordo com o que se lê no site de David Cerny, a intenção original era mesmo solicitar a participação efectiva de vinte e sete artistas europeus e engendrar um projecto colectivo. Contudo, devido a constrangimentos monetários e temporais, optou-se pela "criação de artistas fictícios que representam os diferentes estereótipos nacionais e culturais desta Europa unida". Não percebi onde estão os tais artistas fictícios. Na peça? Ou na cabeça de David Cerny, Kristof Kintera e Tomas Pospiszyl, os quais, com a ajuda de uma vasta equipa de colegas da República Checa e do exterior, engendraram toda esta marosca? Eles apresentam então as suas desculpas a ministros e deputados por não lhes terem facultado atempadamente essa informação, afirmando que não pretendiam que estes arcassem com a responsabilidade de toda esta sátira politicamente incorrecta. Mais acrescentam que sabiam que toda a verdade acabaria por vir à superfície (o que nem sempre é evidente nos tempos que correm) e que pretendiam mesmo era descobrir se a Europa possui afinal a capacidade de se rir de si própria. Os meninos traquinas acreditam que "Bruxelas é capaz de uma irónica auto-reflexão" e crêem "no sentido de humor das nações europeias e dos seus representantes". Por certo não conhecem José Sócrates, caso contrário não acreditariam nem nisso, nem em nada!
Entretanto ocorre-me questionar se esta instalação será motivo para tanta polémica ou se as manobras de diversão para desviar as atenções dos problemas reais não continuam a ser um dos melhores recursos político-sociais. Afinal, que a UE não é um mar de rosas estamos carecas de saber. Que a arte é, na sua essência, provocatória e irónica, é um dado adquirido. Que todos os artistas almejam o reconhecimento universal, está implícito no trabalho que desenvolvem. Que a República Checa anda apagadita, já tínhamos reparado. E que Cerny era um ilustre desconhecido que saltou para a ribalta, é mais do que evidente. Bingo! E fim de história.
Para terminar a divagação Cernyana, houve mais dois trabalhos que considerei curiosos e cujas imagens se encontram aqui, no final.
O primeiro é um projecto que nunca se chegou a concretizar, segundo o autor por razões técnicas, e que data de 1996. Destinava-se ao World Trade Center e consistia em colocar o porta-aviões Intrepid, na altura ancorado no rio Hudson, sobre os tectos das torres gémeas de modo a formar a letra grega TT (pi). Dado o trágico incidente que ocorreu em 2001, é caso para pensar se Cerny não será um visionário, pois os aviões teriam aterrado em vez de embater nas torres. Just kiding!
O segundo é uma instalação permanente que se encontra na Galeria Futura, em Praga. Foi realizada em 2003 e mede cinco metros e vinte. Os arrojados trepadores enfiam a cabeça nos respectivos traseiros e visionam um filme em que um velhote enfia comida na boca de uma velhinha ao som de "We Are The Champions" dos Queen. Não sei o que é que o Freddy Mercury gostaria de enfiar no Cerny (talvez umas chapadas, talvez outras coisas, talvez nada) mas, pela parte que me toca, gostei de introduzir mais informação nos neurónios. E simpatizei com o indivíduo.
5 comentários:
à parte de eu ter gostado de ver toda a gente enervada com o modo como foi representada, devo dizer-te que eu não simpatizei com o tipo, afinal a marosca dele teve consequências e até parece que andou a copiar currículos que apresentou com nomes falsos e de artistas que nada tinham que ver com o projecto. além disso, o projecto consiste em clichés e visualmente muito pouco agradável. parece-me, ainda, que torna a sala ainda mais deprimente. já a última reprodução que aqui apresentas é bem curiosa!
abraços
É, o Cerny andou a usurpar currículos alheios (verdadeiros), atribuindo-os às personagens por ele inventadas, as pretensas criadoras das suas obras. Apesar de tudo, mais do que dos pormenores de cada peça, gosto da ideia de um kit impossível de realizar (o conjunto lembra os saudosos kits em plástico polietileno, como os aviões e os barcos da Airfix, para montar e pintar; os jovens da geração de 60, como eu, coleccionavam-nos às dezenas! Eu ainda tenho muitos!).
Já tinha saudades de entrar na toca do Bicho Bravo,porem no que toca à tua toca toca-me que la no fundo que O Bicho Bravo tem uma grande alma e nutre-se de ricas culturas que gosta de partilhar com quem entra nas suas galerias...
Relativamente a Portugal parece-me que os bifes devem estar fora de prazo,certamente que é tudo o que nos sobra da velha aliança com os ingleses....
bjos-Manu
PS A Margem tem um novo leito.
Paulecas, como sempre, respeito e aceito as tuas opiniões, mesmo quando não são coincidentes com as minhas.
Já tu Jorge, tocaste-me com o teu retorno a um tempo em que tudo era tão mais pueril e valorizado. E em que os miúdos construíam algo com amor e paciência, ao invés de comprarem jogos em série para vegetar via playstation.
Contudo, deixem-me dizer-vos algo a ambos: o tipo não plagiou nem copiou nomes e currículos, ele adaptou nomes e currículos para enganar o governo checo e fazer com que este financiasse a peça, pensando que ele obedecera às directrizes. Assim, pôde colher todos os louros e tornar-se reconhecido mundialmente por toda esta polémica, o que dificilmente aconteceria, pelo menos tão cedo, de outra forma. Bem ou mal, conseguiu o que queria, não prejudicou ninguém, atacou Bruxelas (o que eu gosto sempre) e teve tomates, eh, eh!
Manu, tenho sentido a tua falta. Que prazer "reouvir-te"! Bom ano para ti, um pouco atrasadito. Se a ria seguiu outro curso, envia-me o barco que devo apanhar. Já o suspeitava, pois desde Julho que ficaste em silêncio.
Um beijo para todos vocês* Amanhã entro às 8:00 :-(
confra-rias.blogspot.com
beijinhos.Manu
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