terça-feira, setembro 28, 2010

Paga e não bufes!


Foi um longo interregno. Por um lado as férias e a dispersão por outras actividades. Por outro, a necessidade de escrever textos mais longos e de pendor literário. Ainda assim, há desabafos esporádicos que não se podem reprimir, pelo que aqui estou de novo, ainda menos optimista (por incrível que pareça!), como qualquer portuguesa que não consiga manter a cabeça enfiada na areia.
A perspectiva de que as medidas ontem divulgadas pela OCDE para travar a crise possam vir a ser implementadas apavora-me. E não entendo como todos os que me rodeiam permanecem indiferentes, nem como não há quem se revolte ao ter conhecimento de que a EPAL renovou toda a frota de carros topo de gama dos seus executivos com dinheiro do erário público, entre outras dezenas de exemplos constantes de abuso de poder, de má gestão e de flagrante incompetência. E a solução para este buraco sem fundo é sempre a mesma: o ataque vergonhoso ao bolso do contribuinte, também conhecido por roubo em linguagem corrente.
Ainda assim, há talvez uma explicação para este fenómeno de apatia global: à semelhança de quem nos desgoverna, estamos todos apostados em conseguir o máximo de dinheiro oferecendo o mínimo de contrapartidas. Senão vejamos: no domingo estive no encerramento do OutJazz no Jardim das Necessidades, tão degradado que até faz dó, como aliás todo o património que se encontra debaixo da alçada do Estado. Entretanto decidi jantar numa das marisqueiras de Alcântara com alguns amigos que, por acaso, estavam vestidos de forma muito informal, um tanto freak  mesmo. Foi uma experiência surreal! Mal entrámos, um funcionário indicou-nos a mesa junto à porta, o que imediatamente declinei por razões óbvias. Surgiu então outro indivíduo, muito solícito, que nos conduziu à sala contígua onde nos colocou, com um sorriso rasgado, junto à entrada da casa de banho, cujo odor, convenhamos, me levou de imediato a ponderar a ideia de fugir dali para fora a sete pés. Por fim, perante a indignação geral do grupo, apareceu um terceiro sujeito que nos depositou no meio dessa mesma sala, exactamente junto à área de serviço dos empregados. E como às três é de vez, ali permanecemos, se bem que a contragosto. Entretanto fizemos os pedidos e foi preciso ir solicitando o frappé para as garrafas de vinho, as colheres para a caca das sapateiras, os guardanapos para limpar a boca... Chegou uma altura em que alguém rosnou mesmo entre dentes para o empregado um "Veja lá se não quer que o substitua!". Contudo, a parte mais agradável consistiu em o dito senhor, infelizmente obeso, nos presentear com a passagem constante do seu imenso traseiro junto ao nariz para alcançar as mesas de trás, chegando mesmo a dar valentes cusadas em quem estava  nas pontas. Quando já nada parecia poder espantar-nos, eis que um dos empregados, que passarinhava por ali batendo pratos e tinindo garfos, pegou em alguns dos guardanapos da nossa mesa e os utilizou para limpar as mãos. Eu até adoro marisco, mas este começou a ficar entalado na minha garganta! Observei então as mesas em meu redor e apercebi-me que, feliz ou infelizmente, este era o tratamento dispensado a todos os clientes, mesmo àqueles que comiam gordas lagostas ou saborosos lagostins. À excepção de não lhes impingirem as piores mesas do estabelecimento, tudo o resto era similar (provavelmente, acharam-nos demasiado freaks para nos preocuparmos com tal pormenor!). Por fim, para não destoar, tivemos que fazer um último pedido, o dos toalhetes para retirar o odor das mãos, ao que não resisti a acrescentar "E um cérebro  que funcione para o senhor!". No entanto, na hora da gorjeta, o empregado afivelou o seu único e melhor sorriso e perguntou se o jantar nos tinha agradado, tendo a sua dúvida ficado certamente esclarecida com os vinte cêntimos que repousavam junto à conta, demasiado avultada, por sinal, para tão flagrante falta de educação, de profissionalismo e até de senso comum. E assim se vive em Portugal nos dias que correm, o que ajuda a explicar as elevadas taxas de stress e a abundância de maleitas de origem nervosa.
Curiosamente, as pessoas que estavam comigo, apesar do seu ar displicente, eram maioritariamente estrangeiras e todas possuem formação superior em diferentes áreas. Ficaram também, mais uma vez, doutoradas quanto ao atendimento lusitano, aquele que afugenta constantemente os turistas da costa algarvia. Recordo, a propósito, um jantar recente em Lagos em que o peixe era inexplicavelmente horroroso, o pão era seco, o vinho sabia a rolha, as entradas eram surradas e a empregada atirava com tudo para cima da mesa barafustando que, pela terceira vez naquela noite, um grupo tinha fugido da esplanada sem pagar a conta. Apeteceu-me sair também de fininho com o meu dinheiro no bolso e dar tréguas ao estômago dali por diante.
Parte curiosa: estive na Croácia e percebi claramente, com imensa tristeza, que não vale a pena gastar o nosso suado carcanhol neste país à beira-mar plantado. Espero que outros cidadãos de diferentes nacionalidades demorem mais tempo a constata-lo, senão é que a nossa economia vai ao charco de vez.
Quando lemos que em Lisboa se paga a mais elevada taxa de parquímetro da Europa ou  quando nos anunciam que até o aconselhamento nas farmácias passará a implicar o respectivo pagamento, sinceramente começo a achar que morrer afinal fica mais barato e só custará dinheiro aos que cá ficam.
       
 

terça-feira, abril 06, 2010

Evasões de qualidade

Burj Al Arab

 
 Burj Khalifa Bin Zayid

Vamos sonhando com melhores dias, no Burj Al Arab, este hotelzito de 7 estrelas no Dubai. Com 321 metros, é a mais alta estrutura do mundo utilizada exclusivamente como hotel, pois o Burj Khalifa Bin Zayid, também no Dubai, é o maior arranha-céus construído pelo homem até então, com 828 metros de altura.
O Burj Al Arab foi inaugurado em Abril de 2008 e custou 650 milhões de dólares. A ideia subjacente à sua construção foi a de que este edifício se tornasse emblemático do Dubai, tipo a Torre Eiffel ou a Ópera de Sidney que imediatamente associamos ao local em que se encontram. O hotel tem 60 andares, 18 elevadores e 202 suites duplex (só suites!), das quais se pode desfrutar a partir de 1.400 euros de diária. 
Gostar ou não da decoração e do luxo ostensivo deixo ao critério de cada um.  Contudo, há um aspecto que me desagrada profundamente e que não posso deixar de criticar: veja-se na 16ª foto um banal rolo de papel higiénico branco. Imoral! Num hotel desta categoria seria de esperar, no mínimo, que o papel fosse de seda ou então que se lavasse o rabinho com água de malvas à ilustre clientela. Afinal, uma noite de estadia custa mais de três salários mínimos portugueses, certo?    

As causas da crise


Entre 2006 e 2008, o Ministério da Educação pagou ilegalmente 5,12 milhões de euros a 164 professores requisitados para o desempenho de funções em entidades de direito privado e institutos públicos. Saliente-se que este é o mesmo ministério que faz apelos constantes à contenção orçamental e que exigiu aos seus funcionários que abdicassem, de cara alegre, do justo aumento irrisório anual a que têm direito. 
Resta saber como é que a actual ministra vai descalçar esta bota, herança envenenada da sua nada saudosa antecessora. Provavelmente fica tudo em águas de bacalhau!
Entretanto, é ainda mais grave que o ME, estando alertado pela Inspecção Geral de Finanças, desde 2006, para a ilegalidade em que estava a incorrer, tivesse persistido nos pagamentos até 2008, inclusive. O descaramento! Tentemos nós, comuns mortais que pagam os seus impostos, cometer uma qualquer infracçãozita e sai-nos bem cara a proeza. Basta atrasar um dia a declaração dos impostos e já estamos a levar talhada da grossa! Mas quando se trata de milhões que o Estado saca a si próprio para favorecer amigalhaços, a coisa passa de fininho. Como passam os Freeport, os diplomas duvidosos, os submarinos e o mais que se queira.
Quando nos destroem a carreira, após um congelamento de mais de dois anos que só contaram para efeitos de Segurança Social (se essa ainda existir daqui até lá!), a verdade é que não temos predisposição para engolir notícias desta índole, que nos revolvem as entranhas e nos desmotivam profundamente. Se tivermos em conta o facilitismo que impera no ensino, o insucesso que se tenta contornar com o inflacionamento das classificações e a indisciplina crescente, com agressões cada vez mais recorrentes, é caso mesmo para pensar em mudar rapidamente de vida.
Há crise em Portugal? Claro que sim, graças a centenas de ocorrências similares à atrás reportada. E depois mandam-nos apertar o cinto e ameaçam-nos com as consequências  da crise... Haja lata!   

segunda-feira, abril 05, 2010

Prazeres contemporâneos


As Maldivas são um dos paraísos do Índico, um conjunto de mais de mil ilhas das quais apenas duzentas são habitadas. A cadeia internacional Hilton escolheu este local para construir um restaurante muito exclusivo, o Ithaa (pérola), inaugurado em 15 de Abril de 2005. 
Este restaurante tem a particularidade de se situar debaixo de água, a cinco metros de profundidade, sendo o acesso feito através de uma plataforma à superfície, na lagoa, onde os hóspedes podem tomar uma bebida antes de entrarem na sala de refeições propriamente dita. Ao descerem por uma escada em caracol deparam-se então com uma sala com cinco metros de largura por nove de comprimento, com capacidade para apenas catorze clientes, coberta por uma cúpula semicircular em vidro acrílico transparente. Graças a esta característica, podem desfrutar de uma refeição sofisticada rodeados pela bela e exótica paisagem da lagoa circundante e do recife de coral, onde se movem coloridos peixes de várias espécies, raias e até tubarões. O custo das refeições varia entre 120 (94.5 euros) e 250 dólares (196.8 euros).
Presumo que o cardápio contemple pratos de peixe, mas parece-me injusto comer os irmãozinhos daqueles que tornam este espaço tão aprazível e único. Eu, pelo menos, se lá fosse comia chicha. 




quinta-feira, março 18, 2010

Alessandro Bavari

Tríptico - "Desconstrução de um Herói e construção de um Homem" (2001)
















"Sodoma e Gomorra"


Achei estes trabalhos muito curiosos, pois lembram-me o pintor flamengo Hieronymus Bosch, o artista suíço H. R. Giger e o pintor catalão Salvador Dali fundidos numa forma de representação visual única e deliciosamente surrealista (constate-se que adoro o surrealismo). A profusão de detalhes  curiosíssimos e a interligação de elementos alegóricos provenientes de várias mitologias indo-europeias culmina, a meu ver, num trabalho original e impactante. Se clicarem nas imagens estas ampliam-se, o que é imprescindível. 
Alessandro Bavari nasceu em Latina, uma cidade costeira do sul de Roma, em Abril de 1963. Cresceu numa família italo-francesa e frequentou uma escola de artes, onde começou a fazer fotomontagens com apenas quinze anos. Mais tarde, estudou cenografia, fotografia, história da arte e outras matérias na Academia de Belas Artes, em Roma.
Durante estes anos, adquiriu o hábito de fotografar constantemente: seres humanos e animais, objectos, elementos arquitectónicos, paisagens, materiais, fósseis... A partir de 1993 passou a utilizar a manipulação digital nos seus trabalhos, desenvolvendo uma linguagem artística muito própria e utilizando produtos orgânicos e industriais antes de incorporar o processo fotográfico, seguido-se então a digitalização em computador. Isto conduziu a "uma espécie de contaminação entre as artes que anulou as fronteiras que as distinguem".
Alessandro Bavari vive e trabalha em Itália. O seu currículo é notável e, para quem gostar do que vê, é recomendável visitar o seu site.
Quanto a "Sodoma e Gomorra", um trabalho de 2000, diz Bavari: "É um projecto sempre em aberto, ao qual continuarei a acrescentar outros trabalhos. É um projecto em constante expansão, como seriam Sodoma e Gomorra se tivessem sobrevivido à Ira Divina: uma expansão irracional, caótica, exuberante e espontânea, tal como a de todas as cidades modernas."
Sodoma e Gomorra (do hebraico סְדוֹם Sodom e עֲמוֹרָה Amorah ) são, de acordo com a Bíblia judaico-cristã, duas cidades cheias de pecado e depravação que teriam sido destruídas por Deus com fogo e enxofre descido do céu. Segundo o relato bíblico, as cidades e os seus habitantes, os cananeus, foram eliminados por Deus devido à prática de actos imorais.
A expressão "Sodoma e Gomorra" aplica-se, por extensão, às cinco cidades-estado do Vale de Sidim, no Mar Salgado ou Mar Morto. Eram elas: Sodoma, Gomorra, Admá, Zebolim e Bela (também chamada de Zoar).
O Vale de Sidim (Vale dos Campos) era descrito como um lugar paradisíaco. Ocupava uma área aproximadamente circular no vale inferior do Mar Salgado, actualmente submerso pelas suas águas. A região é chamada em hebraico de Kikkár, que significa "bacia". A pequena península na margem oriental do Mar Salgado é chamada em árabe de El-Lisan, que significa "a língua". Desde a península de El-Lisan ao extremo sul, estender-se-ia o Vale de Sidim.
O Vale do Rio Jordão situa-se numa importante falha tectónica que desce abaixo do nível médio do mar. A referida destruição poderia muito bem ter sido originada por um forte sismo que tivesse desencadeado a actividade vulcânica.
Não havendo certezas quanto à causa da destruição destas cidades, sabe-se pelo menos que a criatividade de Bavari foi despoletada por este mito bíblico e com bons resultados.