sexta-feira, março 28, 2008

O circo mediático


Há coisas que irritam! Há séculos que todos sabemos que a indisciplina nas escolas é uma realidade preocupante e plurifacetada. Sabem-no não só os professores que são alvo da mesma, como também os funcionários, que tantas vezes são tratados com desrespeito e sobranceria. Sabem-no aqueles pais que se esmifram mais a defender as crias do que a atacar quem quer que seja, e que são a maioria, como também o sabem os alunos que são ameaçados com punhos ou armas brancas e assaltados pelos seus próprios colegas, por exemplo. Esta prática, que há alguns anos atrás seria impensável, passou a fazer parte do quotidiano de quase todas as escolas e, contra o que se possa pensar, é exercida por alunos de todas as proveniências e estratos sociais. Por isso é que me parece muito leviano e perigoso fazer generalizações!
No entanto para a comunicação social, cuja indisciplina também deveria ser alvo de discussão e de sanções, tudo isto parece ser uma grande novidade. Enoja-me o tom sensacionalista de "Mais um caso dramático", "Mais um testemunho pungente" ou "Mais uma história de arrepiar". Se não se confere ao assunto a seriedade que ele merece, que raio de exemplo se está a passar àqueles alunos que por natureza não respeitam nada nem ninguém? Também me envergonha que haja indivíduos da classe docente que venham à televisão contar historinhas foleiras e auto-vitimizantes de meninos que os insultam e lhes riscam o carro e se masturbam nas aulas. Uma coisa é estar impotente para exercer a autoridade e castigar de forma adequada os prevaricadores, outra coisa é não ter autoridade nem dignidade para se fazer respeitar. Há problemas sérios, tem que se rever o estatuto do aluno, não pode ser retirada a capacidade de intervenção disciplinar aos professores e às escolas. Porém não me parece que a melhor forma de resolver estes problemas seja a instauração deste circo mediático e decadente. Tudo isto é incongruente e triste! No fundo trata-se apenas de mais do mesmo: um filão a explorar pelos diferentes órgãos de comunicação social na mira do lucro fácil que advém do sensacionalismo de pacotilha que eles próprios promovem em torno de questões sérias e relevantes.

Olhe-se para a imagem acima e veja-se como as agressões a professores se aliam às banhas de um Jardim a banhos ou aos desvarios do garanhão tuga do momento. Que asco! E ainda li há pouco no blogue de um professor, que curiosamente pretende processar figuras públicas por difamação da imagem da classe, que foi a correr comprar um exemplar desta publicação pasquinzenta, congratulando-se por ver expostos de forma tão abjecta os podres da sua classe...
Quando é que os jornalistas vão dar voz aos que têm capacidades e bom-senso, para não chegar ao ponto de dizer vergonha na cara e sentido do ridículo? Por que razão, e particularmente em depoimentos televisivos, levamos sempre com os que não sabem falar, não têm dentes ou não têm cérebro? Dizem os entendidos que é isto que vende e que é isto que nós queremos. Irra! A mim nunca ninguém me perguntou nada! O que é certo é que começo a confundir dois vocábulos: Portugal e Circo Chen. Até a mediocridade dos programas de televisão portugueses conduz a esta legítima confusão: sopeiras, bichas histéricas, astrólogas, pseudo-vips, ex- Big Brothers, ex-misses, ex-pessoas dotadas de cérebro e não sei que mais população escolhida a dedo, a cortar nas casascas alheias com total despudor, a falar de trivialidades e mexericos e desgraças, a encher a cabeça do povo que consegue digerir tais bostas gigantescas com mais bostas gigantescas.
As escolas portuguesas são o reflexo da nação. Se fazem parte de um país que está podre, de onde vem tanto espanto?!

Quem puxará a carroça?


"(...) Ninguém duvida de que o PSD tenha um plano para salvar Portugal, mesmo que aparentemente não tenha um plano para se salvar. Toda a gente percebe que o PSD é mais difícil de governar do que o país. No PSD, que é um partido que se caracteriza por não ter ideologia nenhuma, a harmonia é rara e difícil. Veja-se o que acontece agora: o António Capucho não concorda com o Luís Filipe Menezes; o Luís Filipe Menezes não concorda com o Rui Rio; o Rui Rio não concorda com o Pacheco Pereira e o Pacheco Pereira não concorda com ninguém. O caso complica-se quando constatamos que o Luís Filipe Menezes, na ânsia de agradar a toda a gente, diz com frequência uma coisa e o seu exacto inverso, o que faz com que, muitas vezes, o presidente do PSD nem consigo mesmo concorde. E o trágico é que há quem diga que esta é a sua melhor qualidade. Faz sentido: Luís Filipe Menezes não é uma alternativa a José Sócrates. É várias. Menezes tem opiniões para todos os gostos. Há propostas capazes de agradar a todos os sectores da sociedade portuguesa, e ainda a alguns sectores de certas sociedades estrangeiras. As únicas pessoas a quem Menezes não consegue agradar, por mais que tente, são os militantes do PSD. (...)"
Excerto do artigo da rubrica Boca do Inferno de Ricardo Araújo Pereira, publicado na Visão de 13 de Março

Quando pararemos de pensar em alternativas? Quando teremos bons governantes e uma oposição condigna? Quando viveremos num clima de estabilidade, confiança e prosperidade? Quem estará à altura de tomar as rédeas? Volta Sebastião! Estás perdoado!

Foto de Julien Roumagnac

quinta-feira, março 27, 2008

Théatron

Tempo híbrido e cinzentaço aqui a norte. Convida à introspecção e ao encasulamento. O mar está bravo e a humidade cobre tudo com uma película molhada e brilhante, que é depois lavada pela chuva tímida que a tempos escorre do céu.
Foi dia mundial do teatro (quando é que não há um dia mundial de qualquer coisa?) neste nosso país tão avesso às artes do palco. Lembrei-me das pessoas que ainda sobrevivem no Parque Mayer, agarradas às memórias gloriosas de um passado que não retornará, e só desejo que não sejam despojadas do pouco que lhes resta na recta final das suas vidas.
Deixo entretanto a minha homenagem a todos os actores que colocam o seu amor ao teatro acima das suas necessidades materiais e do seu desejo de protagonismo, esperando por subsídios estatais quiméricos e representando com todo o empenho em salas de espectáculo desertificadas. O que está morto decompõe-se, o que está vivo transforma-se! Bem-hajam!

quinta-feira, março 20, 2008

Torre de Babel ou caixa de Pandora?


A partir de 2008 deverá entrar em vigor a reforma ortográfica que torna a língua portuguesa um idioma único em todo o mundo. No entanto, as alterações afectam apenas 2% do português falado no Brasil. Em Portugal, contudo, as coisas já se processam de forma distinta.
Vamos então tentar ter uma ideia das mudanças que ocorrerão no português de Portugal. O hífen não se usará mais. Assim, quando o segundo elemento começar com s ou com r, em vez do hífen essas letras serão duplicadas. Exemplos: palavras como anti-semita ou contra-regra passarão a redigir-se antissemita e contrarregra. Abre-se uma excepção para as palavras em que os primeiros elementos terminam com r, mantendo essas a sua grafia usual: hiper-requintado. Do mesmo modo, quando o primeiro elemento termina em vogal e o segundo começa com vogal diferente o hífen cai. Exemplos: auto-avaliação fica autoavaliação; extra-escolar passa a extraescolar.
Já formas verbais como vêem, dêem e lêem deixam de ter acento circunflexo, passando a redigir-se veem, deem e leem.
Os i e u tónicos quando precedidos de ditongo deixam de levar acento agudo. Assim viúva fica viuva.
O alfabeto passa a conter as letras k, w e y.
Os c e p mudos caem. Por exemplo: acção passa a ação, acto a ato e adopção a adoção.
O h mudo também cai. Deste modo húmido passa a úmido, por exemplo.
Lamento, mas não me agrada nada a ideia, em particular nos casos em que as palavras se confundem: Eu ato o sapato e é um ato difícil. Bizarro! Já a humidade sem h deixa-me seca e não me apetece passar à ação, de escrever, oviamente! (terá a ver com o ovo?) Averá a queda deste h? Que medo! E como os ditongos sem acento passam a ler-se como ditongos, isso significa que a palavra viúva passa a ler-se viu/va e o miúdo é um miu/do. Que orror!!! Vai ser uma autoflagelação mutilar tão ativamente as palavras!
E que grande miscelânea vai ser a escrita portuguesa em terras lusas se este acordo for aprovado! Não sei se haverá uniformização, pois com a tendência incrível que os portugueses têm para dar erros ortográficos agora é que vamos ter várias línguas portuguesas dentro de Portugal.
Enfim, não me parece correcto que este acordo passe exclusivamente pela Assembleia, em especial em tempos de maioria parlamentar, e pelo Presidente da República. Creio que esta é matéria adequada à realização de um Referendo Nacional. Afinal a nossa língua por alguma razão se chama nossa (possessivo, indica posse, ou será que também vamos mudar a gramática?) e temos que a sentir como tal. Respeito as opiniões dissonantes, mas gostava que todos fôssemos ouvidos. Bom, fôssemos sem acento passa a ser uma forma do verbo fossar (escavar com o focinho). Será que este circunflexo também cai? Se assim for, eis uma palavra a evitar!
Não sei o que pensa de tudo isto o povo brasileiro, mas acredito que se sinta igualmente incomodado. Ainda assim as alterações são mais flagrantes por aqui. E mesmo lendo regularmente autores brasileiros e gostando muito de Jorge Amado, de Carlos Drummond de Andrade e de Vinicius de Moraes, a verdade é que todas as obras que li estavam traduzidas em português de Portugal, pois só assim consigo retirar genuíno prazer da leitura. Não se trata de ter nada contra (até gosto imenso da sonoridade que é mais doce e melodiosa do que a nossa) mas sim de ter tudo a favor da minha língua tal como ela é. É difícil tentar impor mudanças quando nos sentimos felizes com aquilo que se quer mudar. Mudem os políticos, mudem a falta de incentivos à cultura, mudem o clima de insegurança que se tem avolumado, mudem o que está mal. E mudem a m... da prepotência com que tentam governar este país pois não há cu que aguente!

(Brueghel, Torre de Babel)



Ontem foi colocado na Internet um vídeo sob o título "9º C em grande!". Foi posteriormente retirado, mas horas depois voltou a estar disponível, desta vez sob o título "Numa escola portuguesa - Vergonha". Infelizmente já foi novamente retirado há pouco mais de meia hora atrás. No entanto ainda pode ser visto no Público on line, onde igualmente se encontra uma colectânea dos melhores vídeos de 2007 por onde vale a pena passar os olhos. Trata-se então da filmagem feita por um aluno em sala de aula enquanto a sua colega se recusa a devolver o telemóvel que a professora de Francês lhe confiscara, gritando "Dá-me o telemóvel já!" e puxando pela docente. A dada altura esta não tombou no chão por pouco, ouvindo-se um "Olha que a velha vai cair!". Aluna e professora disputaram durante alguns minutos o dito telemóvel, até que houve alunos que tentaram pôr fim à contenda enquanto se ouviam as gargalhadas da turma em reboliço e alguém comentava "Isto é demais, ouve lá!".

Este que aqui se encontra já tem um ano e intitula-se "Ministra da Educação - A vergonha".
Ora talvez haja mais em comum entre estes dois vídeos do que uma mera semelhança de títulos. Afinal temos duas personagens do sexo feminino a revelarem a sua falta de educação e a merecerem a vergonha daqueles que os visualizam. No entanto, e tendo em conta que o exemplo vem de cima, o procedimento da Sra. Ministra para com os jovens presentes que a vaiavam tende a deixar-nos mais perplexos, pois presenteou-os com uma atitude inqualificavelmente absurda, patética e em tudo similar àquela que por eles estava a ser adoptada. E utilizou (pasme-se!) a tão característica prepotência a que já nos habituou: "Seguramente que gritarei mais alto!" Ilação a retirar: quando alguém se portar mal paguemos-lhe da mesma moeda e comportemo-nos ainda pior. Peculiar conceito de educação este da Sra. Ministra da Educação! Nem quero imaginar o que seria se os alunos presentes, ao invés de lhe darem uma vaia, lhe tivessem mostrado o traseiro!
Ainda assim o que mais me espanta é que nem uma só vez este famigerado vídeo, que há um ano se encontra a circular na Internet e que todos enviámos por mail aos amigos, tenha vindo a lume na comunicação social. Nem uma só vez a Sra. Ministra foi interpelada relativamente a este procedimento que, convenhamos, nada tem de usual ou de abonatório. É por estas e por outras que estou cada vez mais convicta de que os órgãos de comunicação social, e em espacial a televisão, se encontram fortemente manipulados. Talvez a questão da desinformação seja, de facto, mais pertinente do que nunca.
A parte mais caricata, ainda assim, é que esta mesma senhora, que não consegue permanecer indiferente aos protestos de alguns jovens com quem pontualmente se cruza, continue a retirar aos professores a autoridade dentro das salas de aula e permaneça surda às estatísticas que revelam a ocorrência de uma situação de violência diária contra os professores deste país. E estas estatísticas reportam-se apenas a situações de agressão mais incisiva que levam os docentes a apresentar queixa na polícia, pois casos como o da jovem que protagoniza esta tragicomédia ocorrem frequentemente e não chegam sequer ao conhecimento das autoridades. Resta até saber se a retirada do vídeo da Internet não é obra de quem nega sistematicamente a existência de violência nas escolas portuguesas.
O que acontecerá então à dita jovem de acordo com a legislação em vigor? Pois tendo em conta que certamente terá a seu favor o representante da Associação de Pais (um benemérito que não usufrui de incentivos estatais como os seus correlegionários da Confap!), será fervorosamente defendida com alegações de que se encontra perturbada, de que o seu contexto familiar não lhe faculta o equilíbrio desejável, de que deve ter acompanhamento psicológico e que em nada beneficiará com a exclusão do seu estabelecimento de ensino, e blá blá blá... A aluna terá, na pior das hipóteses a segunda pena máxima: dez dias de férias em casa, os quais não podem sequer ser contabilizados para a sua reprovação por faltas. E mesmo que pudessem, se a aluna não tiver feito quinze anos até trinta de Setembro do ano passado a sua assiduidade é um mero dado estatístico. Já os seus colegas, que se comportaram igualmente mal e a apoiaram, que deliraram com a cena e brindaram a professora com o epíteto de velha extasiados com a hipótese da sua queda, esses terão uma repreensão colectiva que ficará registada em cadastros que ninguém lerá. E abonam a favor dos envolvidos as imagens que provam que nenhum deles tem tatuagens nem piercings! Bons tempos, não tão longínquos, em que existia trabalho cívico nas escolas e eles iriam para a cozinha descascar batatas ou para as casas de banho limpar sanitas, com a "velha" a mimoseá-los com os seus piropos! Por acaso essa foi a sugestão de alguns dos jovens que se manifestaram no YouTube cujos comentários porém já não podem ser lidos. Mas não, que disparate! Estamos num país de brandos costumes e um dia destes nem os indivíduos que cumprem o serviço militar obrigatório terão que realizar tão humilhantes tarefas. Passarão a comer puré de batata instantâneo e terão aquelas casas de banho portáteis que se auto-higienizam, mas sem moeda!
Os adolescentes e os jovens estão a formar o seu carácter e precisam de ser aconselhados, orientados e educados. Tendo uma personalidade própria e características geracionais comuns, ele são também o reflexo da sociedade em que se encontram inseridos e o produto da formação que recebem e da informação que absorvem. Assim sendo, não é sobre eles que recai a maior quota parte de responsabilidade e de vergonha. Essa fica para os cidadãos que não possuem ética nem civismo, para os educadores que não têm autoridade nem sabem educar, para todos portugueses que compactuam bovinamente com um sistema em deterioração aos mais diversos níveis. Este é o estado da nação e a nação somos todos nós!

quarta-feira, março 19, 2008

Lembrete


Numa época em que a memória colectiva é tão curta, é bom relembrar que foram cem mil os que se manifestaram contra o actual estado do ensino em Portugal, secundados por centenas de transeuntes solidários. Foi um dia histórico! Esperemos que não seja irrepetível e que todos os que legitimamente querem expressar o seu descontentamento o façam civicamente e sem medo de retaliações.

segunda-feira, março 17, 2008

Mens sana in corpore sano


Estávamos convictos de que a maior preocupação e o alvo favorito do actual Governo eram os professores, que até já foram apelidados de hooligans por um senhor a quem convinha fazer uma operação plástica ao cérebro mais bem sucedida do que aquela com que desfigurou a cara, para quem não o ouviu nem se apecebeu da grotesca máscara, Emídio Rangel. À frente. Cem mil docentes saíram à rua na maior manifestação de sempre de uma classe profissional na Península Ibérica para exprimir de forma pacífica, e sobretudo cívica, o seu descontentamento. No entanto os olhos de cada um vêem o que cada um quer e daí retiram as ilações que bem entendem. Adiante! Na realidade, e voltando ao início, o certo é que o executivo PS encontrou novos focos de interesse em que concentrar as suas energias. Muitos coelhos saem da cartola dos governantes socialistas e eis senão quando, manobra de diversão inusitada, somos brindados com a proposta de um projecto lei que visa proibir a colocação de piercings na língua e nos genitais, bem como impedir a aplicação de piercings, tatuagens e de maquilhagem permanente a menores de 18 anos. Questão que se impõe: atravessamos uma época tão áurea que permita o luxo de ter ocupados os fracos cérebros e o escasso tempo dos líderes da nação com este assunto? Outras questões que igualmente se impõem: não há práticas legais mais nefastas para a saúde dos cidadãos em geral do que aquelas que esta lei visa impedir? Não é mais grave a mania de borrar as paredes com pseudo-graffitis que originam uma imensa poluição visual e desfeiam a paisagem urbana do que desenhar no corpo aquilo que bem se entender? Não há questões muito mais prementes no leque das preocupações comezinhas, como por exemplo o incremento da violência, a exigir a atenção da Assembleia? Isto é, no mínimo, Felliniano! E já agora, não resisto a comentá-lo, esta medida é mais um passo na esteira da desresponsabilização de muitos pais de adolescentes e jovens portugueses, que por este andar têm os seus filhos educados pelo Estado e pelos professores (para quando a escola nas férias caramba?!) e já não precisam de os mandar constantemente para o quarto jogar Playstation (cheia de heróis mauzões e tatuados) ou navegar na Internet (onde eles se inspiram para estas práticas tão fixes) ou ver o Miami Ink na televisão (eu vejo e gosto!).
No entanto o aspecto mais grave de toda esta polemicazita, a meu ver, é o atentado à liberdade individual do cidadão que semelhante medida acarreta. Quando um indivíduo perde os direitos sobre o seu próprio corpo é caso para ter medo! Que pretenderá impor-nos o Governo nos próximos tempos? A abolição do uso de lingerie ousada e a comercialização exclusiva de cuecas de gola alta e soutiens reforçados? A proibição de qualquer intercâmbio sexual que não ocorra na posição de missionário e que não tenha fins procriatórios? A obrigação de tomar banho duas vezes ao dia mas nunca de banheira cheia e com espuma para poupar água e evitar fantasias de índole perniciosa? A proibição de usar sapatos de tacão alto fora de casa para preservar a coluna e relegar a atenção que se concentra nas pernas femininas para um plano mais superior, a saber os olhos ou o cabelo, se bem que este último também nunca possa ser pintado de cores berrantes e improváveis, assim como as unhas e as pálpebras que devem aliás manter a sua coloração original para evitar os químicos que se entranham no organismo?! Se alguém precisar de ideias desta índole ou ainda mais à frente conte comigo! Tenho um manancial inesgotável e igualmente castrador de atentados aos direitos e liberdades individuais do ser humano.
O Salazar, sob a alçada de quem nunca vivi, era para mim um mito controverso e, sobretudo, o sinónimo da força de um povo que se conseguiu libertar, ainda que tardiamente, das garras da ditadura. Hoje, numa época em que todos os rótulos mentem ou teimam em colorir a verdade, temos políticos que não se assumem, que se escondem por trás de ideologias partidárias e de definições arrevesadas, gente que perdeu a hombridade, homens que usam falsas promessas para chegar ao poder, lobos travestidos de cordeiros, Salazares de meia pataca. É sabido que as rosas têm espinhos. Só não era suposto que eles nos picassem com tanto afinco e desfaçatez!