quinta-feira, março 20, 2008



Ontem foi colocado na Internet um vídeo sob o título "9º C em grande!". Foi posteriormente retirado, mas horas depois voltou a estar disponível, desta vez sob o título "Numa escola portuguesa - Vergonha". Infelizmente já foi novamente retirado há pouco mais de meia hora atrás. No entanto ainda pode ser visto no Público on line, onde igualmente se encontra uma colectânea dos melhores vídeos de 2007 por onde vale a pena passar os olhos. Trata-se então da filmagem feita por um aluno em sala de aula enquanto a sua colega se recusa a devolver o telemóvel que a professora de Francês lhe confiscara, gritando "Dá-me o telemóvel já!" e puxando pela docente. A dada altura esta não tombou no chão por pouco, ouvindo-se um "Olha que a velha vai cair!". Aluna e professora disputaram durante alguns minutos o dito telemóvel, até que houve alunos que tentaram pôr fim à contenda enquanto se ouviam as gargalhadas da turma em reboliço e alguém comentava "Isto é demais, ouve lá!".

Este que aqui se encontra já tem um ano e intitula-se "Ministra da Educação - A vergonha".
Ora talvez haja mais em comum entre estes dois vídeos do que uma mera semelhança de títulos. Afinal temos duas personagens do sexo feminino a revelarem a sua falta de educação e a merecerem a vergonha daqueles que os visualizam. No entanto, e tendo em conta que o exemplo vem de cima, o procedimento da Sra. Ministra para com os jovens presentes que a vaiavam tende a deixar-nos mais perplexos, pois presenteou-os com uma atitude inqualificavelmente absurda, patética e em tudo similar àquela que por eles estava a ser adoptada. E utilizou (pasme-se!) a tão característica prepotência a que já nos habituou: "Seguramente que gritarei mais alto!" Ilação a retirar: quando alguém se portar mal paguemos-lhe da mesma moeda e comportemo-nos ainda pior. Peculiar conceito de educação este da Sra. Ministra da Educação! Nem quero imaginar o que seria se os alunos presentes, ao invés de lhe darem uma vaia, lhe tivessem mostrado o traseiro!
Ainda assim o que mais me espanta é que nem uma só vez este famigerado vídeo, que há um ano se encontra a circular na Internet e que todos enviámos por mail aos amigos, tenha vindo a lume na comunicação social. Nem uma só vez a Sra. Ministra foi interpelada relativamente a este procedimento que, convenhamos, nada tem de usual ou de abonatório. É por estas e por outras que estou cada vez mais convicta de que os órgãos de comunicação social, e em espacial a televisão, se encontram fortemente manipulados. Talvez a questão da desinformação seja, de facto, mais pertinente do que nunca.
A parte mais caricata, ainda assim, é que esta mesma senhora, que não consegue permanecer indiferente aos protestos de alguns jovens com quem pontualmente se cruza, continue a retirar aos professores a autoridade dentro das salas de aula e permaneça surda às estatísticas que revelam a ocorrência de uma situação de violência diária contra os professores deste país. E estas estatísticas reportam-se apenas a situações de agressão mais incisiva que levam os docentes a apresentar queixa na polícia, pois casos como o da jovem que protagoniza esta tragicomédia ocorrem frequentemente e não chegam sequer ao conhecimento das autoridades. Resta até saber se a retirada do vídeo da Internet não é obra de quem nega sistematicamente a existência de violência nas escolas portuguesas.
O que acontecerá então à dita jovem de acordo com a legislação em vigor? Pois tendo em conta que certamente terá a seu favor o representante da Associação de Pais (um benemérito que não usufrui de incentivos estatais como os seus correlegionários da Confap!), será fervorosamente defendida com alegações de que se encontra perturbada, de que o seu contexto familiar não lhe faculta o equilíbrio desejável, de que deve ter acompanhamento psicológico e que em nada beneficiará com a exclusão do seu estabelecimento de ensino, e blá blá blá... A aluna terá, na pior das hipóteses a segunda pena máxima: dez dias de férias em casa, os quais não podem sequer ser contabilizados para a sua reprovação por faltas. E mesmo que pudessem, se a aluna não tiver feito quinze anos até trinta de Setembro do ano passado a sua assiduidade é um mero dado estatístico. Já os seus colegas, que se comportaram igualmente mal e a apoiaram, que deliraram com a cena e brindaram a professora com o epíteto de velha extasiados com a hipótese da sua queda, esses terão uma repreensão colectiva que ficará registada em cadastros que ninguém lerá. E abonam a favor dos envolvidos as imagens que provam que nenhum deles tem tatuagens nem piercings! Bons tempos, não tão longínquos, em que existia trabalho cívico nas escolas e eles iriam para a cozinha descascar batatas ou para as casas de banho limpar sanitas, com a "velha" a mimoseá-los com os seus piropos! Por acaso essa foi a sugestão de alguns dos jovens que se manifestaram no YouTube cujos comentários porém já não podem ser lidos. Mas não, que disparate! Estamos num país de brandos costumes e um dia destes nem os indivíduos que cumprem o serviço militar obrigatório terão que realizar tão humilhantes tarefas. Passarão a comer puré de batata instantâneo e terão aquelas casas de banho portáteis que se auto-higienizam, mas sem moeda!
Os adolescentes e os jovens estão a formar o seu carácter e precisam de ser aconselhados, orientados e educados. Tendo uma personalidade própria e características geracionais comuns, ele são também o reflexo da sociedade em que se encontram inseridos e o produto da formação que recebem e da informação que absorvem. Assim sendo, não é sobre eles que recai a maior quota parte de responsabilidade e de vergonha. Essa fica para os cidadãos que não possuem ética nem civismo, para os educadores que não têm autoridade nem sabem educar, para todos portugueses que compactuam bovinamente com um sistema em deterioração aos mais diversos níveis. Este é o estado da nação e a nação somos todos nós!

4 comentários:

paulo disse...

Muito bem, Kika! É isso mesmo: a nação somos todos nós. Já agora, eu gravei o vídeo. Uma relíquia do que não podia acontecer, mas acontece. Ah, a ministra que tenha educação!
Um abraço

Kika disse...

Amigo, essa de teres gravado o vídeo é excelente. Infelizmente não me ocorreu, sendo que de algum modo também é mau ajudar a colocar a pobre da professora nas bocas do mundo. Bjs*

paulo disse...

Kika, eu só não pus novamente o vídeo online porque me envergonhei de que situações daquelas existam. Acho que a imagem da professora não pode, de facto, ser assim exposta. Digamos que guardei o vídeo para mais tarde recordar aquele momento deprimente. Beijinhos

confra-ria disse...

Aquela turma é o retrato angustiante do panorama nacional.O pior é que para esses meninos são lhes sempre atribuidas circonstâncias atenuantes,e não são raras as vezes que nos deparamos com inumeros concelhos executivos a actuar(ou atuar)como advogados do diabo.Grande parte dos concelhos executivos parecem compostos de funcionarios que andam a reboque das pressões e influencias exercidas pelo ministério e os seus vassalos tipo confap que como se sabe não morrem de amores pelos professores...
Na escola de Eixo,arredores de aveiro,um pai enviou uma carta,depois de terem confiscado o telemovel do seu filho apanhado em flagrante durante a aula,o paizinho enviou então uma carta AMEAÇADORA para a escola a informar que só ele é que tinha o direito e autoridade para tirar o télémovel ao seu filho,referindo ainda que tinha a lei do seu lado .Desde então alguns professores parecem ter algum receio e decidiram não interferir em casos semelhantes.
Boa Páscoa ao Bicho...