quinta-feira, março 20, 2008

Torre de Babel ou caixa de Pandora?


A partir de 2008 deverá entrar em vigor a reforma ortográfica que torna a língua portuguesa um idioma único em todo o mundo. No entanto, as alterações afectam apenas 2% do português falado no Brasil. Em Portugal, contudo, as coisas já se processam de forma distinta.
Vamos então tentar ter uma ideia das mudanças que ocorrerão no português de Portugal. O hífen não se usará mais. Assim, quando o segundo elemento começar com s ou com r, em vez do hífen essas letras serão duplicadas. Exemplos: palavras como anti-semita ou contra-regra passarão a redigir-se antissemita e contrarregra. Abre-se uma excepção para as palavras em que os primeiros elementos terminam com r, mantendo essas a sua grafia usual: hiper-requintado. Do mesmo modo, quando o primeiro elemento termina em vogal e o segundo começa com vogal diferente o hífen cai. Exemplos: auto-avaliação fica autoavaliação; extra-escolar passa a extraescolar.
Já formas verbais como vêem, dêem e lêem deixam de ter acento circunflexo, passando a redigir-se veem, deem e leem.
Os i e u tónicos quando precedidos de ditongo deixam de levar acento agudo. Assim viúva fica viuva.
O alfabeto passa a conter as letras k, w e y.
Os c e p mudos caem. Por exemplo: acção passa a ação, acto a ato e adopção a adoção.
O h mudo também cai. Deste modo húmido passa a úmido, por exemplo.
Lamento, mas não me agrada nada a ideia, em particular nos casos em que as palavras se confundem: Eu ato o sapato e é um ato difícil. Bizarro! Já a humidade sem h deixa-me seca e não me apetece passar à ação, de escrever, oviamente! (terá a ver com o ovo?) Averá a queda deste h? Que medo! E como os ditongos sem acento passam a ler-se como ditongos, isso significa que a palavra viúva passa a ler-se viu/va e o miúdo é um miu/do. Que orror!!! Vai ser uma autoflagelação mutilar tão ativamente as palavras!
E que grande miscelânea vai ser a escrita portuguesa em terras lusas se este acordo for aprovado! Não sei se haverá uniformização, pois com a tendência incrível que os portugueses têm para dar erros ortográficos agora é que vamos ter várias línguas portuguesas dentro de Portugal.
Enfim, não me parece correcto que este acordo passe exclusivamente pela Assembleia, em especial em tempos de maioria parlamentar, e pelo Presidente da República. Creio que esta é matéria adequada à realização de um Referendo Nacional. Afinal a nossa língua por alguma razão se chama nossa (possessivo, indica posse, ou será que também vamos mudar a gramática?) e temos que a sentir como tal. Respeito as opiniões dissonantes, mas gostava que todos fôssemos ouvidos. Bom, fôssemos sem acento passa a ser uma forma do verbo fossar (escavar com o focinho). Será que este circunflexo também cai? Se assim for, eis uma palavra a evitar!
Não sei o que pensa de tudo isto o povo brasileiro, mas acredito que se sinta igualmente incomodado. Ainda assim as alterações são mais flagrantes por aqui. E mesmo lendo regularmente autores brasileiros e gostando muito de Jorge Amado, de Carlos Drummond de Andrade e de Vinicius de Moraes, a verdade é que todas as obras que li estavam traduzidas em português de Portugal, pois só assim consigo retirar genuíno prazer da leitura. Não se trata de ter nada contra (até gosto imenso da sonoridade que é mais doce e melodiosa do que a nossa) mas sim de ter tudo a favor da minha língua tal como ela é. É difícil tentar impor mudanças quando nos sentimos felizes com aquilo que se quer mudar. Mudem os políticos, mudem a falta de incentivos à cultura, mudem o clima de insegurança que se tem avolumado, mudem o que está mal. E mudem a m... da prepotência com que tentam governar este país pois não há cu que aguente!

(Brueghel, Torre de Babel)

2 comentários:

paulo disse...

Amiga, por acaso, esta reforma não me assusta, assusta-me sim a ortografia de quem não sabe escrever nem dominar minimamente a sintaxe. De resto, úmido ou húmido para mim vale o mesmo e não estou como o Pascoaes que dizia que lágrima sem Y perdia o sentido e a alma (lagryma). Bom, talvez seja por estar habituado a ler em português do Brasil.
Abraço

Kika disse...

Olha Paulecas, sabes que não é do meu feitio ser velho do Restelo mas esta história do acordo dá-me um bocado nos nervos. Eu gosto da minha língua tal como ela é e ao nível da ortografia identifico-me com o bom e velho Pascoaes. De qualquer modo concordo que o pior é mesmo a iliteracia do nosso povo e se o acordo ajudar nesse sentido já não se perde tudo. A ver vamos.
Beijoca*