Saí do trabalho ao fim do dia, por sinal animada, e passei no cafezito da senhora búlgara em busca de um daqueles rectângulos de cartão que me atacam o orçamento e fazem ameaças que não cumprem, como causar-me impotência. Esta comentou o calor inusitado para a época e eu até pensei que, mau grado a nacionalidade, a conversa do tempo é mesmo um tapa-furos universal. Entretanto dei-me conta que vestia manga curta às sete desta tarde de final de Outubro e que o meu corpo estava húmido e peganhento, por isso retorqui-lhe que um dia destes ainda viramos um país tropical, passamos o ano inteiro na praia e enriquecemos com o turismo. Dito isto, fui atacar heroicamente o trânsito, o que em mim consiste em virar para qualquer lado sempre que me aparece uma fila de carros à frente, e cheguei finalmente à toca, já a fazer grandes planos para o serão.
E eis senão quando, assim de mansinho, chegou-me um arrepio e outro e outro, et voilà, arrepiei-me de medo. Contrariamente à maioria, a minha tendência perante quaisquer sintomas de doença é entrar em negação, portanto fechei as janelas e vesti uma sweatshirt. Achei que o frio se fosse, mas às tantas estava era a passear um olhar guloso pela lareira. Percebi então que o melhor era parar para reflectir sobre a coisa. Hum, ora bem, corpo molezito e dorido, 37.3 de temperatura segundo um aparelhómetro que nunca apita mais do que 36.5 quando tudo está em ordem, e uma sensação algodoada de bom vinho tinto. Pior dos sintomas, fora-se a vontade de jantar, quando há uma hora atrás me imaginava num bom restaurante em boa companhia. Menos mal que o cérebro continuava a funcionar, recordando-me então que duas colegas minhas entraram hoje oficialmente de quarentena e que mais de duas dezenas de alunos já estão de molho. Ora bolas, isto não é animador.
Passo seguinte, Google, pela primeirinha vez, juro! E aqui é que a coisa descamba mesmo. Há milhares de entradas sobre a gripe A, vista de todos os prismas possíveis e imaginários e por todo o tipo de entidades e pessoas, há mesmo coisas francamente assustadoras mas, quanto a procedimentos e medicamentos, muito pouco. Eficácia assegurada então, zero por cento. Hora de optar pelo tradicional, não o "avinha-te, abifa-te e abafa-te", mas o sumo de laranja natural, a sopinha, o chá quente e o antigripe. A ver vamos.
Pois bem, não é a gripe que me assusta, já que quase todos os anos apanho uma valente apesar de ser saudável. Ou é porque saio à noite em corpinho bem feito, transpiro na pista e venho secar na rua, ou é porque estou rodeada por dezenas de alunos que me espirram e me tossem os bicharocos, ou é porque não resisto a um belo banho de mar em Fevereiro, enfim, nunca me safo. Pelo menos deixo de fumar durante uns dias, com os brônquios a atacar-me a consciência peitoral e a chamar-me nomes feios, e fico a ranhosar preguiçosamente na chaise-longue com filmes e livros. Se bem que no ano passado foi diferente e até dei aulas com 39 de febre, pois tenho uma invulgar resistência à mesma, só para provar à senhora Lurdes que sou das que verga mas não quebra. É estúpido, mas deu-me um gozo bestial e safei-me à pneumonia, rija que sou mesmo maleitosa. Claro que semeei o pânico à minha volta, senti o que é ser leproso ou algo similar e constatei que o amor à pele é superior ao sentido de humor na minha classe profissional.
Mas agora é diferente, não há como contornar. Os media conseguiram agigantar a coisa de tal maneira que assusta. São as comparações com a gripe espanhola de 1918, as incertezas quanto às vacinas, o exagero do contágio e da propagação do vírus, a ausência de cura eficaz, o amontoado de mortos nos quatro cantos do globo, as teorias da conspiração mirabolantes de gente que quer dominar o mundo adoecendo-nos a todos, enfim, é quase um filme dantesco. E são, acima de tudo pois eu cá sou pragmática, os testemunhos de quem espera horas no hospital e sai de de lá com receitinha de Benuron e ordens para estar sete dias em isolamento. Se tiver direito a bónus adicional, até traz à boleia mais uns quantos vírus que por lá saltitam.
Safa! Palavra de honra que já me sinto quase em forma outra vez. Vou mas é tomar um banho bem quente, ponho mais uma mantita na cama para suar a maleita, durmo as saudáveis oito horas da praxe que nem uma pedra, amanheço em cima da BTT a respirar o ar das árvores e de certeza que desta ainda consigo passar uma rasteira ao H1N1. Em último recurso, há sempre o escafandro. Os estilistas de vanguarda iam delirar, aposto.
(imagem de Alessandro Pautasso)
2 comentários:
lol
canja e caldos de galinha...
Não é o Google, é direto ao sitio da direcção geral de saúde:
http://www.dgs.pt/
lá, ver:
2009-10-28
Circular Informativa nº 42/DSPCD/DSPPS de 28/10/2009
Cuidado com a aspirina, que pode provocar hemorragias - não esqueça isto, que é mesmo sério.
Samartime, fico muito grata pelo seu cuidado e pelas dicas. Essa da Aspirina não sabia e é de facto importante. Felizmente penso que foi uma ameaça de gripe normal, pois hoje já estou porreira.
Que a gripe fuja de si!
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