quinta-feira, junho 12, 2008


A solidão escorria dos olhos do cão. Era miudinha, quase imperceptível, como a primeira chuva de Outono que nos embala no aroma da terra. E feita de inúmeros retalhos cosidos pela mão do tempo, alguns coloridos e limpos, outros esfarrapados e negros.
Em tempos soubera sacudi-la como água que lhe ensopasse o pêlo. Ladrava para intimidá-la, mordia para que fugisse ou escavava o solo para a enterrar.
Agora deixava que esta o possuísse de mansinho e se transformasse numa árvore lilás de ramos finos, muito bela na sua tristeza.
O cão aprendera a entregar-se à sua sorte, ao ritmo improvável das coisas que lhe aconteciam por alguma razão, à melancolia de querer desfiar as estrelas e não ter por companhia senão a própria sombra.
Apesar de não estar sozinho, o cão estava tão só que a solidão transbordava e escorria dos seus olhos, formando pequenos mares de prata que lhe devolviam a sua imagem.

(foto Gavin Mullan)


8 comentários:

Anónimo disse...

oi? como foi que fizeste para colocar em tamanho reduzido o 'youtube-mini' na barra lateral do blog?
minhas desculpas pela pergunta tola, rs, mas a tempos desejo saber

L

Kika disse...

Olá Anónimo L! Não é preciso pedir desculpa. Também tive quem me ensinasse. Pois não é difícil. Seleccionas personalizar, adicionar um elemento de página e aí escolhes HTML/JavaScript. Copias do YouTube e depois tens que ajustar o tamanho alterando as dimensões que aparecem em linguagem de programação. Espero ter sido útil.

Anónimo disse...

Muito belo, mas triste... Também queria desfiar estrelas...
Abraço. ZF

Anónimo disse...

Grata, muito grata! obrigado por ensinar!

volto sempre aqui!

abraços carinhosos e gratos

L

paulo disse...

Esperando por inspiração, tenho andado a adiar um comentário a este texto. E passado tanto tempo de maturação, ainda não tenho palavras para descrever a solidão miudinha deste cão. Porque percebo bem a ideia, mando-te um abraço solidário, intenso, sem tempo nem lugar!

Kika disse...

És um querido! Às vezes estes sentimentos apoderam-se de nós. Felizmente são passageiros e o sol ajuda a espantá-los.
Beijo amigo para ti.

paulo disse...

hummm, e achas que eu não sei? às vezes dá cá com uma força! Continue o sol, então, a brilhar intensamente!
Beijinhos

Anónimo disse...

Fizeste-me lembrar, numa manhã de inverno, há muitos anos, a minha solidão de quase criança, apenas com a companhia do Leo Ferré e "La Solitude".
Bjs
Becas