terça-feira, agosto 14, 2007

Homenagem a Miguel Torga


Comunicado

Na frente ocidental nada de novo.
O povo
Continua a resistir.
Sem ninguém que lhe valha,
Geme e trabalha
Até cair.


Sísifo

Recomeça....

Se puderes
Sem angústia
E sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.

E, nunca saciado,
Vai colhendo ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar e vendo
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças...


Apelo

Porque
não vens agora, que te quero
E adias esta urgência?
Prometes-me o futuro e eu desespero
O futuro é o disfarce da impotência....

Hoje, aqui, já, neste momento,
Ou nunca mais.
A sombra do alento é o desalento
O desejo o limite dos mortais.


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É impossível deixar passar em branco o centenário do nascimento de um dos maiores escritores portugueses de todos os tempos. Torga foi não só um artesão exímio da língua pátria, como também um indivíduo de grande profundidade intelectual. O seu forte pendor telúrico permite-nos um contacto privilegiado com as nossas raízes ancestrais e fortalece o elo que nos une à terra mãe lusitana.
A escolha destes três poemas não foi inocente, já que a sua contemporaneidade é notória. O povo trabalha no duro para manter uma parca qualidade de vida (a mais baixa da Comunidade Europeia segundo estatísticas ontem divulgadas, consequência de sermos os mais mal pagos quando, ironicamente, somos aqueles que trabalham até mais tarde) e não tem ninguém que lhe valha. Haja saudinha - mesmo com listas de espera de anos para intervenções cirúrgicas, encerramentos constantes de centros de saúde e notícias assustadoras de negligência médica nos hospitais - pois só ela nos permite sobreviver. E sonhar com dias melhores é tudo o que nos resta para não desalentar quando olhamos para o caminho duro do futuro, sendo que liberdade, pelo menos de expressão, é algo que vemos esfumar-se progressivamente no horizonte. No fundo, estamos todos demasiado amargurados e descrentes para acreditar em dias melhores, para continuar a ter paciência para apertar o cinto à espera de um futuro quimérico e intangível. Queremos mais e melhor hoje, aqui, já, neste momento!
Saliente-se que foi notada a ausência de membros do Governo nas comemorações deste centenário. Pobres trabalhadores competentes e incansáveis, os senhores estão a banhos no sul ou a viajar pelo estrangeiro, como é justo e legítimo. Só mentes deturpadas poderiam inferir que o Governo se está a borrifar para a cultura ou para um homem que é motivo de orgulho para este país, um escritor ímpar que ajudou a dignificar a sua imagem, cada dia mais pobre, e as suas letras, por vezes tão abastardadas!

1 comentário:

LopesCaBlog disse...

Ao menos nos Blogs celebra-se o Centenário de Miguel Torga :)