quarta-feira, junho 04, 2008

Conversa da treta


- Vê lá se gostas do meu soutien? - atira a loura cinquentona para a trintinha meio hippie, pequenina e branquela, algo infantil. Usualmente seria afastada alguma roupagem para que se pudesse espiar o dito. Mas não, ela é mais do estilo Zás, tudo ao léu!, e lá empina o decote imenso da blusa de lycra transparente para que assomem duas bolinhas rendadas, ironicamente tímidas por comparação à dona e às regueifas que lhe escorrem da cintura.
- É mais giro do que o de ontem - avança logo o gorducho dos dentes calcinados com olhar guloso. É novo mas cheira a mofo.
- Não acho - opina a trintona grossa e bem tratada, olhar directo - De qualquer modo todos te gabam a lingerie, não vale a pena perguntares. Nem precisas de esperar que o teu gajo se digne reparar nela.
- Qual gajo, qual quê? - contrapõe a hippileca com ar furibundo e sotaque transmontano - Interessa a alguém o que é que os gajos pensam ou não? Competência e tamanho e não se pensa mais no caso.
- Ei, que mau feitio - arrisca o barrigudito vermelhusco - És uma tipa bué insensível. Até parece que estás a falar de um objecto.
- Digo-te já man, esta é a era das mulheres - entusiasma-se a Miss Yoko Ono - Qualquer dia quem precisa de cotas nas empresas e na política são vocês. Nas faculdades estamos em maioria. E no sexo também. Temos orgasmos múltiplos caraças! E gajos para chatear e coser as meias passo. Gosto é de amantes. A parte boa para nós e a seca para a tipa que o atura. Dou-me mesmo bem. Amantes é que rende! - reafirma com convicção numa fala cheia de sibilantes.
Espanta-me o antiquado da palavra na boca daquela self made woman à século XXI. Entretanto o banhocas engasga-se e fica ainda mais vermelhusco, mas de bico calado. E a trintona emerge do limbo e diz com ar enfadado:
- Pá, fui ontem à feira do livro e queria um autógrafo do Sousa Tavares. Nem imaginam a fila que lá estava. Havia gente com livros trazidos de casa e tudo. Havia até quem tivesse fotografias de quando o tipo era novo para ele autografar. Uma macacada. Já estava farta e perguntei a uma mulher quantos é que tinha. Mostrou-me seis. Bem, passei-me e disse-lhe que tinha de estar na empresa dali a quarenta e cinco minutos e que ela me podia deixar avançar. Sempre era menos uma. E não é que a tipa teve a lata de me dizer que não dava porque tinha de ir ao cabeleireiro? Que porra! É só gente estúpida!
- Estúpida é a nova secretária do patrão. Já viram como é que ela abana o cu? Deve andar numa de escalada na horizontal - funga a loura entre dentes com ar nostálgico, talvez invejando a sorte da outra.
Enfio mais o nariz no meu livro e tento concentrar-me. Não há cu que aguente!
- A mim o que me chateia é a greve dos pescadores pá. Não como carne e agora ando com medo de comer peixe. Só congelado. Há quanto tempo é que os gajos não pescam? - inquire a hippie.
- Este país é tão mau de governar que nem com maioria lá vai. É sempre a mesma treta! - resmunga a loura.
- A política não interessa népia - rosna a hippie.
- Bolas, parti uma unha - diz a trintona.
- Isso não é nada. Estes sapatos novos lixaram-me os pés todos - resmunga o pipudo.
Acabam mesmo é de lixar a minha escassa paciência seus autistas acéfalos, penso. Piro-me daquela carruagem a sonhar com a hora de recolher à toca para recarregar baterias e tentar não estupidificar de vez. Bons tempos em que se falava de livros e cinema e teatro e música e política. Apesar do espírito ecológico e do preço da gasolina, acho que não ando de comboio tão cedo. Irra!

(foto de Pedro Gonçalves)

3 comentários:

Anónimo disse...

estou rendido. Kika, sou fã:)

Kika disse...

Obrigada Siroilas. Bem vindo à toca do Bicho Bravo!

W. C. Fields disse...

É exactamente por causa destas merdas que eu evito os transportes públicos!