sexta-feira, maio 09, 2008

Mundo cão!

A onda de violência xenófoba que assola a África do Sul há doze dias a esta parte dá que pensar. A livre circulação de bens e pessoas na Europa é um dado adquirido e chegam constantemente ao nosso país imigrantes de múltiplas proveniências. Há pelo menos dois milhões de pessoas estrangeiras a viver em Portugal com regalias e oportunidades similares às nossas, a disputar empregos, habitações e tudo o mais que é necessário para subsistir em condições minimamente aceitáveis.
No entanto também nós atravessamos uma época de crise bem dura: os preços dos alimentos, bens de consumo genéricos e serviços não cessam de disparar, os juros da habitação não param de subir, a gasolina atinge preços escabrosos e os salários há anos que
não aumentam proporcionalmente à crise. Cada vez temos menos regalias sociais, em particular na área da saúde, pagando impostos mais elevados do que aqueles que se praticam em nações evoluídas onde o nível de vida da população é superior. Somos assim um país cuja realidade tende a assemelhar-se à dos países terceiro mundistas, em que a classe média está em vias de extinção e a classe privilegiada floresce alegremente, dispersando-se pelos spas, pelas clínicas de estética e pelo turismo rural em carros topo de gama, ostentando roupas de marca e caras postiças. E os políticos incompetentes e laxistas, cuja taxa de absentismo na Assembleia da República é escabrosa segundo dados recentes da comunicação social, deixaram de nos fazer promessas e passaram a intimidar-nos, a calar os nossos protestos e a exigir-nos aquilo que não cumprem. Mantêm em contrapartida um nível de vida insultuoso, tendo em conta que ainda há, entre tantos exemplos chocantes, idosos a sobreviver com rendimentos de 150 euros mensais, e permitem-se as regalias e as bonificações que a nós nos interditam. Favorecem instituições bancárias e clubes de futebol, esquecem a Casa Pia depois de gastarem milhares aos contribuintes e querem que acreditemos que o único pedófilo português é o Bibi. Apregoam a falência da Segurança Social, cortam nas comparticipações dos medicamentos e dos exames médicos, demoram séculos a pagar as suas dívidas, mas continuam a cobrar-nos religiosamente a propina. Mandam-nos fazer rastreios periódicos, como o despiste do cancro do colo do útero, e acusam-nos de não vigiarmos adequadamente a nossa saúde. Porém são cada vez menos os incautos que realizam estes exames pela ADSE, por exemplo, o que significa que um exame de 2.05 euros pode custar ao contribuinte entre 45 a 120 euros, dependendo da gulodice de cada um. Enfim, se eu não tiver reforma quando a minha vez chegar, isto se não morrer antes ou não ficar demasiado podre para conseguir trabalhar, vou exigir os meus impostos com retroactivos no tribunal europeu!
Em suma: e se os portugueses também se lembrassem de escolher os imigrantes como bode expiatório? Se decidíssemos atacar os mais fracos por não termos força anímica nem coragem para atacar quem de direito? Seria bizarro, injusto e desumano, tal como o é na África do Sul. A classe desfavorecida não pilha as casas dos ricaços, não coloca bombas nos seus carrões, nos restaurantes de luxo ou nos hotéis por eles frequentados, nem assalta os bancos onde estes multiplicam os seus dividendos. Não, a classe desfavorecida vinga-se cobarde e desumanamente nos que se encontram em condições ainda mais precárias, nos indefesos, naqueles com quem devia solidarizar-se pois são seus iguais. Mas não. À semelhança dos grandes que lhes atazanam a existência e os reduzem à insignificância, atacam o elo mais fraco, quiçá para provarem o gosto da supremacia por escassos momentos, quiçá por impotência ou desespero.
Qual é então a diferença entre este nosso tempo de prodígios tecnológicos e avanços científicos e a época medieval? É óbvio que, acima de tudo e tal como sempre, vivemos num mundo cão!

1 comentário:

Anónimo disse...

É a regressão civilizacional, infelizmente. A Era das Trevas, tão impropriamente colada à Alta Idade Média pelos românticos oitocentistas, é esta na qual vivemos. E estamos somente na franja de entrada...