quinta-feira, maio 08, 2008

Ficcionando em voz de mim


Os olhos são tão negros e profundos como um mar revolto onde seria fácil naufragar, empurrada por carícias de longas e suaves pestanas. É raro fitá-los mais do que fugidiamente por esse medo de não vislumbrar retorno de tal viagem. Já as mãos são esguias, de dedos longos e suaves que deslizam maciamente. Movimenta-se como os felinos e tal como eles ataca: primeiro com subtileza mansa, para de súbito imobilizar a presa com um rasgo inusitado que derruba as defesas e convida à entrega espontânea. Vive encerrado na sua torre de marfim, que visualizo azul e nublada, vigiando com olhos húmidos aqueles que por qualquer detalhe se tornaram alvo da sua rara atenção. E fá-los embarcar numa imprevisível caminhada até que percebam que a torre é muito alta e que as portadas não abrem e que um telhado a pique pode certamente conduzir a uma espinha quebrada. Porém, o que lhe permite conduzir os seus jogos com certeira destreza é um impensável pendor masoquista: desejo de plenitude. E isso é-me demasiado familiar para o não compreender. Aí então é que tudo atinge uma dimensão única de tão similar.
Quero açúcar nos meus ossos!

(foto Julien Roumagnac)

1 comentário:

confra-ria disse...

é sempre um prazer passar pela toca do Bicho-Bravo , hoje fonte inspirada de uma subtil prosa sensual e felina....
Um Bicho-Bravo à la patte de velours...