quinta-feira, setembro 06, 2007

Àqueles que passam


"Às horas em que a paisagem é uma auréola de Vida, e o sonho é apenas sonhar-se, eu ergui, ó meu amor, no silêncio do meu desassossego, este livro estranho como portões abertos numa casa abandonada. Quem escreveu esta frase magnífica? Fernando Pessoa, em obra atribuída a Bernardo Soares (que ele diz não ser propriamente um heterónimo, mas um "semi-heterónimo"). Esta teria sido a frase que Pessoa imaginara para iniciar o seu Livro do Desassossego. Lembro-me ainda, no princípio dos anos 80, quando o meu pai, com mais duas colaboradoras, preparava a primeira edição desta obra extraordinária. Já nessa altura o grande problema era a forma de ordenar os múltiplos fragmentos textuais. Além disso, para além dos passos que Pessoa considerara como fazendo parte dessa obra futura, havia, como hoje continua a haver, os textos sem indicação precisa, que poderiam (ou não) ser incluídos na obra."

Eduardo Prado Coelho, Desassossego e loucura, crónica do Público de 25-09-06 (um grande senhor das nossas letras, nomeando dois iguais)


Ultimamente são muitos os que partem. Recentemente foi Eduardo Prado Coelho, hoje Luciano Pavarotti, O Tenor. Único! Inigualável!
Finalmente os jornalistas deixam-se das tretas de "vítima de doença prolongada" e chamam os bois pelos nomes. Pavarotti morreu de cancro no pâncreas aos 71 anos. Com os atentados ecológicos que cometemos, as radiações a que nos sujeitamos, o ar que respiramos, a água que consumimos e, acima de tudo, os alimentos que ingerimos (corantes, conservantes, emulsionantes, edulcorantes, fenilalaninas e outras quantas dezenas de adulterantes, para não nomear já os animais que se alimentam dos seus semelhantes e que nós posteriormente deglutimos), espanta-me que não estejamos todos cancerosos. Este é o real flagelo da nossa era e só quem com ele contacta directamente é que sabe o quão desumano, doloroso e avassalador o cancro pode ser. Torna-nos genuinamente impotentes para o que quer que seja e faz-nos encarar a morte como uma bênção.
Considerações à parte, a minha homenagem a estes dois grandes homens que directamente contribuíram para a minha felicidade: o professor Prado Coelho e o tenor Luciano Pavarotti. Tal como esta borboleta, não passaram despercebidos nem me deixaram indiferentes à beleza e peculiaridade das suas existências. Ao contrário dela, e ainda assim não tanto quanto seria de desejar, foram menos efémeros. Sou-lhes grata por terem partilhado os seus dons.

(foto Kika)

1 comentário:

paulo disse...

Texto inspirado. A borboleta foi muito bem apanhada.