sexta-feira, julho 20, 2007

Elogio do beijo


Mesmo num contexto em que os olhos mintam indiferença e o sorriso insinue espontaneidade, enquanto palavras simulam fluir ao ritmo de copos que se esvaziam ou de espirais de fumo que volteiam cinzentas e o corpo se distrai mecanicamente em sintonia com o som, eis que surgem as rasteiras dos beijos para manter a pureza desse instinto primitivo que se não verga à mais rija vontade.
O apelo carnudo de lábios macios e húmidos, a vertigem de múltiplas sensações que nos atropelam, o gozo incomensurável de uma troca tão intensa e particular, transformam os beijos num acto único de partilha e de puro prazer, em que simultaneamente nos conhecemos e nos desvendamos com genuinidade.
Não admira assim que sejam inúmeros os que se tornaram emblemáticos ao longo dos tempos e que fazem já parte integrante do nosso imaginário colectivo, imortalizados nas mais diversas manifestações de arte ou descritos das formas mais poéticas, cruas ou fogosas.
Mas realmente inesquecíveis são os que preenchem as nossas vivências íntimas e nos fazem sentir, com todas as fibras do nosso corpo, que isto de estar vivo é por vezes tão mágico que transborda de nós e nos ultrapassa!
Há beijos que sabem a biscoitos de chocolate...

(quadro de Klimt, O Beijo)

quinta-feira, julho 12, 2007

Quando outros o dizem por nós melhor do que nós mesmos...


Ao Índio:

"sabes

por vezes queria beijar-te
sei que consentirias
mas se nos tivéssemos dado um ao outro ter-nos-íamos separado
porque os beijos apagam o desejo quando consentidos
foi melhor sabermos quanto nos queríamos
sem ousarmos sequer tocar em nossos corpos
hoje tenho pena
parto com essa ferida
tenho pena de não ter percorrido teu corpo
como percorro os mapas com os dedos teria viajado em ti
do pescoço às mãos da boca ao sexo
tenho pena de nunca ter murmurado o teu nome no escuro
acordado
perto de ti as noites teriam sido de ouro
e as mãos teriam guardado o sabor do teu corpo
ah meu amigo
estou definitivamente só"

Al Berto, Três Cartas da Memória das Índias

(foto Kenny Weng)