terça-feira, outubro 23, 2007

Zás, tudo ao léu!


As telenovelas da vida real estão, mais do que nunca, em alta!
Ora principiou este bizarro fenómeno, se bem nos recordamos, pela clausura de um bando de toscos num barracão comunal minado de câmaras, onde inventavam tretas impensáveis para se entreter enquanto chiavam pela ordem de soltura. Mimoseavam as audiências com desvaires de polichinelo ou de estivador, abençoados entretanto pelas lágrimas da casamenteira apresentadora, e deliciavam o povo quando sucumbiam aos encantos alheios ou próprios debaixo das mantas.
A coisa foi avançando, que a televisão está mais do que nunca ao serviço da cultura e da intelectualização das massas, e vieram depois os pseudo-vips em versão rural ou em paródias circenses, as ditas belas e os pretensos iluminados a usufruir já de instalações mais condignas e outras quantas pérolas similares revistas e incrementadas. Hoje, e assim o exige a actual guerra de audiências, temos os noivos de Portugal e os aspirantes a vedetas do nacional cançonetismo em dose dupla. Três canais em plena sintonia! É lindo!
Como qualquer fenómeno sociológico, os reality shows merecem então que nos detenhamos a apreciá-los nas suas múltiplas facetas. Comecemos pelo público, esses vampiros que se alimentam da vida alheia e que querem figurar por escassos segundos que seja na caixinha mágica do vizinho, aquele sacana emproado que, esperam, se roerá de inveja. Quem poderá algum dia olvidar, por exemplo, os cromos anónimos com que o Big Brother nos presenteou à entrada do estúdio dos directos e cujas performances rivalizavam com as dos próprios concorrentes? Este foi o primeiro contributo de vulto para o espólio luso de improváveis personagens-tipo à portuguesa, ultrapassadas tão somente pelo nosso Emplastro, na versão popular, ou pelo Castelo Branco, na versão pretenso vip!
Não esqueçamos entretanto as famílias, aquelas pessoas solidárias que se despem por amor às crias, de forma desprendida e aceitando o pesado fardo da passageira notoriedade de forma estóica. Voltando ao Big Brother, pois foi de facto paradigmático, lembremos os progenitores cujos confrontos mútuos e respectivos impropérios nos permitiam melhor compreender a génese dos carácteres dos rebentos. Em dias de menos sorte, em que não havia rixa ou palavrão, era a devassa que atingia o rubro: a cor do primeiro cocó dos meninos, a primeira mecha de cabelinho ostentada no cordão de ouro ao pescoço, o primeiro castigo por lhes terem fanado a guita do porta-moedas ou a primeira vez que chegaram a roupa ao pêlo à namorada. Entrava de seguida a comunicação social na paródia, como é hábito e normal, e tudo era dissecado e desmultiplicado em revistas foleiras que acorriam sequiosas de mais caca para lançar no ventilador, entrevistando para o efeito todo o bicho careta que conhecera as ditas criaturas nesta ou em anteriores encarnações. Assim se deliciam as sopeiras ávidas dos podres alheios, quiçá para melhor lhes cheirarem os seus, enquanto todos os envolvidos rejubilam acreditando-se genuínas vedetas. E assim se produziram surreais fenómenos televisivos extra-concurso, como a abertura do noticiário nacional com o pontapé do Marco na Coisinha ou o charro fumado pelo Garnisé. Surge então mais uma almejada mudança, na esteira das medidas progressistas, desta feita na história das notícias televisivas: a sua credibilidade, depois destes desvaires sem precedentes, nunca mais foi a mesma!
Eis senão que hoje, tantos anos volvidos, a história se vai repetindo indefinidamente sem fim à vista. Vivemos de telenovelas ficcionais e reais. Algumas questões imperam: o que move as pessoas a uma exposição deste calibre? Que prazer experimentam em revelar ao mundo as suas remelas, os seus escarros matinais, o seu furúnculo na virilha ou as suas digestões ruidosas? Que estranho desejo as leva a contar a história da sua vida aos quadradinhos, as suas fraquezas, os seus podres? Que alegria lhes dá entabularem monólogos absurdos com câmaras de televisão e chorarem baba e ranho com saudades de familiares dos quais se separam voluntariamente durante uns dias? Que peculiar acesso de solidariedade as leva a tornarem-se amigas do peito de indivíduos que conhecem há meia dúzia de dias, quando sistematicamente ignoram familiares, colegas de trabalho ou vizinhos de anos? Finalmente, o que interessa tudo isto aos milhões de pessoas que assistem enlevada e fielmente a estes programas em detrimento daqueles que focam as questões políticas, sociais e económicas que presidem os seus destinos ou daqueles que, de algum modo, as enriquecem e aumentam a sua cultura geral? É esta a evolução das mentalidades no século XXI?
Parafraseando os gauleses, é caso para dizer "Estes romanos estão loucos!" . Depois de desnudar gradualmente o corpo, o que foi, a todos os níveis, uma excelente ideia, o ser humano entrega-se agora à nudez da alma à escala mundial, o que me parece muito mais vergonhoso e pornográfico. Basta ver o programa da Oprah ou do Dr. Phil e arrepelar os cabelos, corando pela miséria da exposição alheia. Será que agora toda a gente se convenceu que é de Hollywood? A humanidade precisa de uma terapia colectiva!
Haverá vida em Marte?!

(foto Alessandro Pautasso)

quarta-feira, outubro 17, 2007

Triste fado

Este é o grito que me sai para não sufocar! O grito que se impõe quando sei que o fisco perdoa dívidas de milhões de euros a indivíduos privilegiadíssimos, enquanto esmifra, por exemplo, cidadãos idosos que subsistem com quantias pornográficas. O grito que irrompe quando leio que a Caixa Geral de Aposentações admitiu hoje que nunca considerou incapaz para o exercício das funções a professora a quem foi retirada parte da língua na sequência de um cancro, deixando a docente com grande dificuldade em falar. O grito que se solta quando constato que o orçamento geral de Estado para 2008 é um ainda maior e mais descarado assalto ao bolso dos contribuintes. O grito que extravasa quando fontes fidedignas me relatam os desvios monumentais que ocorreram aquando da Expo 98 e percebo que há coisas que nunca mudam. O grito que constantemente aflora aos meus lábios, vindo lá do mais fundo das entranhas, porque sofro com as múltiplas impotências inerentes à minha condição humana, porque sou mortal, bem como todos aqueles que amo, mas, e hoje mais do que nunca e acima de tudo, porque sou portuguesa!
"Às armas, sobre a terra e sobre o mar. Pela pátria lutar!" É notório o quanto a maioria dos portugueses desconhece o hino nacional! A
té quando vamos aguentar calados e passivos? Para quando o grito colectivo?

(foto Alessandro Pautasso)


sábado, outubro 13, 2007

Farpas


Há coisas que nunca mudam! Até quando?...

"Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta. (...)
Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira à falsificação, da violência ao roubo, donde provém que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis, no Limoeiro. Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este, criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do País.
A justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas. Dois partidos sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se malgando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar."

Guerra Junqueiro, Pátria, 1896

(foto Julien Roumagnac)

Os gloriosos malucos das máquinas voadoras



O Porto tem um encanto muito particular e este espectáculo do Red Bull veio lembrá-lo em directo a todo o país, especialmente aos que gostam de tesourar na Invicta.
Já lá vão uns tempos, mas não resisti a recordar este evento cheio de adrenalina que tanto lucrou com a paisagem envolvente e o azul do Douro.
Fazem falta outras iniciativas similares, pois Portugal é pródigo em belas cidades e todos ansiamos por algo mais do que festivais ao longo do Verão. Dêem-nos asas que nós voamos!

(fotos Kika)