quinta-feira, setembro 13, 2007

Vozes que se espalham

Excerto de um artigo de J. Pacheco Pereira retirada do Abrupto, comentando o livro de Andrew Keen que abaixo se visualiza O Culto do Amador - Como a Internet dos dias de hoje está a matar a nossa cultura, pois nele revejo aquilo que penso.



ESTÁ A INTERNET A MATAR A NOSSA CULTURA?


A crítica de Keen e de outros "apocalípticos" falha ao menosprezar o enorme adquirido que se deu nestes mesmos 150 anos, a verdadeira revolução social, que permitiu a muitos milhões de pessoas, que viviam dominadas apenas pelo seu trabalho brutal e pela cultura "folclórica" tradicional, aceder a consumos que nunca tiveram e passar a ter voz em áreas que sempre lhes estiveram vedadas, seja como audiências de televisão, seja em estudos de mercado, seja em sondagens, seja comprando e votando. O efeito dessa voz cria uma enorme perturbação, degrada tudo, simplifica, confunde, mas, ao alterar sem retorno os equilíbrios elitistas do passado, gerou novas condições de democraticidade, competitividade e criatividade que também se verificam na rede.
Não sei até que ponto se encontrará um qualquer equilíbrio que trave o lixo demagógico que hoje enche tudo impante da sua nova voz tecnológica e salve a "nossa cultura", mas não posso, em nome dessa mesma "cultura", deixar de valorizar o acesso de milhões à porta de um mundo em que habita o "espírito", mesmo que assustado com tanta confusão.

(No Publico de 8 de Setembro de 2007)

quarta-feira, setembro 12, 2007

Quando outros o dizem por nós melhor do que nós mesmos... ( III )




Vais olhar para o que vês. Mas vais ter de olhar absolutamente. Vais tentar olhar até ao apagamento do teu olhar, até à sua própria cegueira, e através dela deves continuar a tentar olhar. Até ao fim.

Marguerite Duras, Textos Secretos


Hoje preciso de muita clarividência e não estou segura de consegui-lo...

(as minhas desculpas ao autor desta bela foto pois perdi-lhe o rasto)

Cenas bem esgalhadas

Battle of The Bands - ZappInternet


Não interpreto como uma apologia à violência, antes como uma sátira ao tempo conturbado em que vivemos.


C2C (Coup2Cross) - DMC 2005 - ZappInternet


Todos os estilos têm os seus virtuosos.



Mona Lisa descending an staircase (corto de animacion) - ZappInternet


Arte fusionada.




segunda-feira, setembro 10, 2007

Quando outros o dizem por nós melhor do que nós mesmos... ( II )


Ao meu amigo Paulecas, em sintonia com a saudade e a tristeza que experimenta quando nisso pensa um pouco mais do que o habitual:


Deixai-o chorar! é nobre
Quem chora tamanho amor
Ninguém alcunhe de pobre
Ao rico de tanta dor;
E quem não tem a alma fria
Passando escute e não ria.

________________________________

Selvas, mares, areias do deserto...
Dorme o teu sono, coração liberto,
Dorme na mão de Deus eternamente!


Antero de Quental

(foto Martin Andreasen)

quinta-feira, setembro 06, 2007

Àqueles que passam


"Às horas em que a paisagem é uma auréola de Vida, e o sonho é apenas sonhar-se, eu ergui, ó meu amor, no silêncio do meu desassossego, este livro estranho como portões abertos numa casa abandonada. Quem escreveu esta frase magnífica? Fernando Pessoa, em obra atribuída a Bernardo Soares (que ele diz não ser propriamente um heterónimo, mas um "semi-heterónimo"). Esta teria sido a frase que Pessoa imaginara para iniciar o seu Livro do Desassossego. Lembro-me ainda, no princípio dos anos 80, quando o meu pai, com mais duas colaboradoras, preparava a primeira edição desta obra extraordinária. Já nessa altura o grande problema era a forma de ordenar os múltiplos fragmentos textuais. Além disso, para além dos passos que Pessoa considerara como fazendo parte dessa obra futura, havia, como hoje continua a haver, os textos sem indicação precisa, que poderiam (ou não) ser incluídos na obra."

Eduardo Prado Coelho, Desassossego e loucura, crónica do Público de 25-09-06 (um grande senhor das nossas letras, nomeando dois iguais)


Ultimamente são muitos os que partem. Recentemente foi Eduardo Prado Coelho, hoje Luciano Pavarotti, O Tenor. Único! Inigualável!
Finalmente os jornalistas deixam-se das tretas de "vítima de doença prolongada" e chamam os bois pelos nomes. Pavarotti morreu de cancro no pâncreas aos 71 anos. Com os atentados ecológicos que cometemos, as radiações a que nos sujeitamos, o ar que respiramos, a água que consumimos e, acima de tudo, os alimentos que ingerimos (corantes, conservantes, emulsionantes, edulcorantes, fenilalaninas e outras quantas dezenas de adulterantes, para não nomear já os animais que se alimentam dos seus semelhantes e que nós posteriormente deglutimos), espanta-me que não estejamos todos cancerosos. Este é o real flagelo da nossa era e só quem com ele contacta directamente é que sabe o quão desumano, doloroso e avassalador o cancro pode ser. Torna-nos genuinamente impotentes para o que quer que seja e faz-nos encarar a morte como uma bênção.
Considerações à parte, a minha homenagem a estes dois grandes homens que directamente contribuíram para a minha felicidade: o professor Prado Coelho e o tenor Luciano Pavarotti. Tal como esta borboleta, não passaram despercebidos nem me deixaram indiferentes à beleza e peculiaridade das suas existências. Ao contrário dela, e ainda assim não tanto quanto seria de desejar, foram menos efémeros. Sou-lhes grata por terem partilhado os seus dons.

(foto Kika)

A caminho de lugar nenhum


2005-06-24


Resolução do Conselho de Ministros n.º 102/2005


(...)
1- Combate à fraude e evasão fiscais. - A solidariedade entre todos os Portugueses, para colocar o País de novo na senda do crescimento económico e implementar as medidas necessárias para a consolidação das contas públicas, impõe um combate sem tréguas à fuga a um dos deveres básicos de cidadania: o pagamento de impostos.
(...)
d) Congelamento das progressões e suplementos - a imperiosa necessidade de controlar a aumento da despesa pública obriga o Governo a consagrar, a título meramente excepcional e temporário, medidas de congelamento das progressões na carreira e dos suplementos remuneratórios que se manterão nos seus valores actuais. Esta situação excepcional manter-se-á até 31 de Dezembro de 2006, data em que deverá entrar em vigor a revisão do sistema de carreiras e remunerações.

Quem desejar aceder ao documento na íntegra pode usar a hiperligação e constatar que este texto, apesar de tão metafórico e eufemístico, não se insere na categoria de prosa poética.
Algumas ilações a retirar da leitura destas citações:
1ª- Entenda-se por solidariedade ao País (com letra maiúscula como nos velhos tempos, evitando reminiscências da abrilada) ser penalizado por nada dever ao fisco, pois é exactamente o que acontece aos funcionários públicos. Os seus descontos são efectuados ao cêntimo, sem qualquer hipótese de actuação fraudulenta. Entretanto aqueles que de facto fogem aos impostos são beneficiados com aumentos no vencimento e progressões nas carreiras, o que pode ser tudo menos solidário. A palavra solidariedade adquiriu portanto novos significados e múltiplas cambiantes desde a tomada de posse do actual governo, ainda que não tenhamos sido previamente inteirados da respectiva revisão semântica, nem das suas nefastas repercussões. É certo que devíamos ter interiorizado há muito os perigos e as armadilhas das maiorias e ter já aprendido a evitá-las, o que é inviável para portugueses que não atingem sequer as graves consequências que estas, e outras tantas medidas compiladas neste e noutros documentos análogos, acarretam para os visados e para o país.
Uma só questão: poderá haver crescimento económico sem poder de compra e com um tal recurso ao crédito e ao endividamento?
2ª- Há quem perca qualidade de vida e aperte um cinto já sem buracos, enquanto inúmeros não passam facturas, alguns criam sacos azuis e pavoneiam-se com sacos Louis Vuitton, outros desfilam em automóveis topo de gama a expensas do erário público e por aí fora, todo esse rol interminável que já cansámos pois nada se altera. É então um dever básico de cidadania um conjunto de indivíduos contribuir solitariamente para colmatar os buracos orçamentais criados por terceiros? Bom, talvez até constitua um óptimo argumento a usar perante um povo que não domina, nem em teoria nem na prática, este conceito arrevesado que a Europa nos trouxe por inerência.
Os romanos convenceram o povo da culpa dos cristãos e serviram-nos na arena para diversão das massas, mas todos sabemos a quem pertenciam realmente os crimes. Povo bem manipulado é povo facilmente governado, em especial quando até gosta de telenovelas e noticiários com Maddies (com todo o respeito pela criança, como é óbvio).
3ª- As palavras excepcional e temporário alteraram-se em termos semânticos, quiçá até orgânicos, visto que se tornaram elásticas! Já lá vão mais de dois anos e, ao que consta, a situação vai permanecer imutável. Note-se que o prazo cessava em 2006. Estamos em 2007 e já constou que se prolongará ao longo de 2008. Visto que não nos podemos apoiar na credibilidade de quaisquer palavras ou promessas, resta-nos a esperança de que a recente etimologia destes vocábulos não seja ad eternum, caso contrário o genuflexódromo oficial (como diz o meu amigo Monsieur de Guillotin) contará com tantos peregrinos que terá de sofrer novo alargamento!
No entanto, e segundo sondagens que podem ser objecto de manipulações, os portugueses estão satisfeitos com o governo. A inveja, sinónimo de mediocridade, sempre foi uma das nossas características mais notórias. Inveja de quê? De uma ideia quimérica
de privilégio decorrente da velha máxima de que os funcionários públicos são uns felizardos porque não fazem nada? E que mesmo ganhando uns trocos inferiores aos dos seus colegas do privado são uns sortudos? Ainda que assim fosse, é triste constatar como os lusos patrícios nivelam sempre por baixo! O primeiro e mais acalentado sonho do português é não fazer nada. E ao invés de almejar o progresso comum, contenta-se, parece que até se regozija mesmo, com a desgraça individual.
Deixemos-nos de lirismos: nem uma aldeia global conseguimos ser, quanto mais uma nação comunitária!
4ª- Tememos que se ande a ponderar a implementação de novas medidas básicas de cidadania, como a retirada do rendimento social de inserção, do subsídio de desemprego, do abono de família, das comparticipações médicas, et caetera. São quantias magrinhas, mas grão a grão enche a galinha o papo. E venham mais multas!
5ª- Queremos contribuir solidariamente para o fim da crise (a de 1383/85 ou é uma mais antiga? Já não sabemos bem, contas até nem são o nosso forte) e aliar-nos ao governo nesta luta. Já que se tornou usual no nosso país o desempenho de funções mal remuneradas por cidadãos do leste da Europa, sugere-se então que os milhares de professores que se encontram sem trabalho sejam chamados a intervir num justo intercâmbio laboral. Chegou a hora de dar um cunho ainda mais abrangente ao conceito de solidariedade e presentear os países de leste com a nossa contribuição para o seu rápido florescimento, para que em breve possam estar a ultrapassar-nos como é hábito e normal. Eis uma excelente iniciativa para acabar com as chatices da classe docente e poupar em subsídios de desemprego que só contribuem para aumentar o buraco orçamental. Até porque, e em última análise, os professores são duplamente culpados: são uns funcionários públicos que não fazem nada e uns cretinos que seguiram a via ensino ao invés da via profissionalizante! Felizmente esta irregularidade já foi detectada pela argúcia incontornável da senhora ministra da educação, a qual encetou uma nobre campanha de desencorajamento aos jovens universitários que almejem cometer o mesmo delito. É óbvio que lhes resta sempre a opção de serem filósofos trolhas, historiadores merceeiros ou linguistas serventes de pedreiro, mas o mais sensato é optarem mesmo por alguma estratégia mais elaborada, tipo voltar ao primeiro ano, pagar novas propinas e constituir família em 2020. Já os mais novos devem, por sua vez, enveredar pelo técnico-profissional de modo a assegurarem os empregos dos professores do quadro, senão de todos, pelo menos dos que já não têm idade para se dedicar à pesca da sardinha. E se pensarem em desistir para trabalhar para o sustento da família, é-lhes interditado o acesso às discotecas e aos estádios de futebol, à boa moda prepotente e directiva agora implantada na nação, vulgo "Ou tás quetinho ou levas no focinho!"
"Os ricos que paguem a crise" é um slogan perfeitamente démodé! Agora o que rende é massacrar mesmo a função pública, na esperança de virmos a assistir, num futuro próximo e glorioso, à derradeira etapa desta magnífica cruzada: a privatização da classe política ou, em alternativa, a sua reinserção profissional na reforma agrária.

(foto Martin Andreasen)